Depois de ter engrossado a fileira de queixas que levaram a Comissão Europeia a aplicar uma multa recorde contra a Google, a Aptoide viu o Tribunal de Évora dar seguimento a uma providência cautelar que impede que a loja de apps Play continue a alertar os utilizadores para alegada existência códigos maliciosos nas soluções produzidas pela startup portuguesa. Os alertas de malware repercutiram-se numa perda de mais de 2,2 milhões de utilizadores em 60 dias. A Aptoide pode ter parado essa “sangria”, não se dá por satisfeita e admite que já começou a estudar um processo com vista ao ressarcimento dos danos comerciais causados pela Play Protect. A Google ainda não se pronunciou sobre o assunto, mas já não restam muitas dúvidas sobre os sentimentos que a gigante nutre pela loja de apps que a startup portuguesa criou com o propósito de se tornar uma alternativa à Play.
Quando é que a providência cautelar do Tribunal de Évora começa a produzir efeito?
A decisão que foi agora anunciada surgiu na sequência de um processo iniciado há uns meses, depois de termos visto, em junho, que havia um comportamento do Google Play, que avisava os utilizadores, tanto a nível nacional como internacional, de que a Aptoide seria uma ameaça para os respetivos equipamentos e que deveria ser desinstalada. O que faria com que a aplicação ficasse indisponível automaticamente. Foi na sequência deste comportamento que começámos a avisar a Google. Mas este comportamento continuou, e havia clientes a queixar-se e decidimos avançar com esta providência cautelar, que é o processo mais rápido, para que o Tribunal ordenasse à Google que parasse com este abuso. Temos agora o resultado da providência cautelar, que vai no sentido de a Google parar com este comportamento no Play Protect e deixar de dizer aos utilizadores que a Aptoide é um potencial perigo para os equipamentos…Do ponto de vista processual, a Google há de ter sido notificada, e terá agora alguns dias para dizer alguma coisa (contestar ou não) ou para tomar medidas imediatamente para deixar de ter este comportamento no Play Protect.
Acredita que esta providência cautelar possa produzir resultados no resto da UE?
Acreditamos que através da Convenção de Haia esta decisão produza efeitos noutros países. Para nós, isso é importante. Detetámos esta situação em vários países. Somos uma plataforma de distribuição de nível global. Optámos por interpor esta ação em Portugal porque era o mais fácil, mas se notarmos que este comportamento persistir por parte da Google teremos todo o interesse em pedir para que este comportamento pare noutros países.
Nesse caso, será a Aptoide que terá de ter o esforço e os custos dos processos…
Não é algo automático. Tem de ser requerido, e obviamente não pode ser algo automático.
A Aptoide alega ter perdido 2,2 milhões de utilizadores em 60 dias… Será que vai pedir uma indemnização?
Em primeiro lugar, vamos esperar que a Google acate a decisão (da providência cautelar) e que pare com este comportamento. Obviamente que se não o fizer, há de sofrer consequências. Se a Google, interpuser outros argumentos… não sabemos, não podemos prever o futuro. Consideramos que aquelas práticas são ilegais, e o Tribunal de Évora também o considerou, e por isso esperamos que a Google pare imediatamente. Depois, há uma segunda fase: depois de a Google parar com aqueles comportamentos, considerando os danos causados para a nossa marca e para os utilizadores, podemos avançar com uma ação principal. É algo que está a ser avaliado pelos nossos advogados e poderá levar a exigirmos que estes danos sejam ressarcidos… considerando que houve aqui um dano causado não só pela perda de utilizadores como para a imagem de marca. Quando a Play Protect diz que determinada app é malware a marca dessa app também é afetada.
A Aptoide tem conhecimento de outras empresas que disponibilizem serviços ou ferramentas na loja Play que tenham passado por situações similares?
Para ser franco, não. Pelo menos, com aplicações parecidas com a nossa. A Play Protect está instalada em milhões de equipamentos. É possível que tenha havido situações semelhantes e que a Google tenha parado de o fazer. Mas não temos conhecimento.
O que faz da Aptoide uma bela candidata ao clube de inimigos preferidos da Google…
A perspetiva é sempre do ponto de vista concorrencial. É muito positivo haver concorrência e alternativas para os utilizadores poderem escolher a loja e a aplicação que gostam mais. Muitos utilizadores da Aptoide também são utilizadores Google Play. Não vemos aí um problema, porque achamos que a concorrência é saudável. Não sei se a palavra “inimigo” é a mais indicada. Para nós, trata-se da necessidade de haver mais concorrência e inovação no mercado do Android.
Não é um contrassenso concorrer com a Google no Android, quando o Android é produzido pela Google? A vossa posição é sustentável por quanto mais tempo?
A proposta inicial da Google para o Android era criar um sistema operativo Open Source, como é sabido a base inicial do Android é open source; a ideia era criar um sistema operativo aberto que pudesse ser adotado ppor qualquer empresa. Portanto, qualquer empresa poderia usá-lo nos seus equipamentos ou criar aplicações, soluções ou serviços baseados em Android. Também foi isso que permitiu à Google crescer e passar a liderar o sistema operativo dominante no mercado, com cerca de 85% ou 86% do mercado global. Esse princípio deveria ter continuado na atualidade, mas o que vemos é que a Google tem reduzido a concorrência em várias áreas, nomeadamente nas app stores para o Android. Julgamos que não é saudável e vai contra o DNA do Android, que era suposto ser um sistema operativo completamente aberto, que poderia ser usado por todos. O que vemos é a Google criar cada vez mais restrições no mercado em várias áreas em que a Google tem ofertas… tornando cada vez mais difícil a entrada de outras empresas, que queiram concorrer de igual para igual…
E por isso há que insistir na pergunta: é sustentável continuar a lutar contra as práticas de uma empresa tão grande como a Google?
Como loja de apps, somos globais, temos parceiros de referência a nível mundial, milhões e milhões de utilizadores que usam a nossa plataforma. Há espaço para alternativas, e não queremos que esse espaço seja comprimido através de práticas ilícitas. Tudo o resto é concorrência e temos de combater para oferecer melhores serviços na nossa plataforma, por comparação com os concorrentes, nomeadamente a Google.
Os fabricantes de telemóveis continuam a manifestar a mesma recetividade para a Aptoide? Estes fabricantes estão ou não sujeitos a pressões da Google?
Que há pressão sobre os fabricantes não tenho a maior dúvida – e não sou eu que o digo… é a própria comissão europeia, que recentemente tomou uma decisão nesse sentido. Foi entendido que havia uma pressão ilegal, no sentido de abuso de posição dominante. Os acordos que a Google obriga os fabricantes de telemóveis a assinar para terem acesso às aplicações da Google, como o Chrome, as pesquisas, eram ilegais e ilícitos no mercado europeu. Portanto, houve uma decisão nesse sentido e a Google já está a propor medidas para resolver esse problema na linha do que foi decidido pela Comissão Europeia. Sim, isso (as pressões) tem acontecido e não é saudável para o mercado. Obviamente que cria descontentamento junto dos fabricantes, mas percebe-se que é difícil estas empresas trabalharem sem a Google. A Google criou o Android e há um conjunto de aplicações da Google que tem grande recetividade no mercado e é normal que os fabricantes queiram inseri-los nos equipamentos que produzem. O que não pode acontecer é a Google usar a posição dominante para ganhar hegemonia sobre os concorrentes em mercados onde não tem essa posição… como são os serviços que a Google pretende lançar e que estavam a ser propostos aos fabricantes num pacote de aplicações que teriam de ser aceites numa lógica de “ou usam todas as nossas aplicações, ou não usam nenhuma delas”, Há aqui um bundling que é ilegal.