Aconteceu em Portugal em maio de 2017: durante um período que não superou duas horas, 8,8 milhões de assinantes/acessos de serviços de Internet ficaram indisponíveis. O “apagão”, que algumas fontes garantem ter resultado de uma perda das ligações com as redes internacionais, surge devidamente elencado no relatório de segurança que a Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom) acaba de publicar relativamente ao triénio 2015-2017. Foi a maior falha alguma vez registada, desde que, em 2014, os operadores passaram a ser obrigados a notificar diretamente o Centro de reporte de incidentes de segurança da reguladora das telecomunicações sobre falhas no funcionamento das redes. A Anacom já confirmou a existência desta falha recorde – mas nega que haja qualquer relação com a passagem de vírus maliciosos pelo País.
No Relatório de Violações de Segurança ou Perdas de Integridade 2015-2017 que acaba de ser publicado, a Anacom refere apenas que a falha durou entre uma e duas horas. O relatório não indica o dia em que a falha ocorreu. Nesse mesmo mês, terão ainda existido outras falhas nos serviços de telecomunicações, mas foram residuais, ao que apurou a Exame Informática. A Anacom confirma apenas que o bloqueio das comunicações se deveu a uma interrupção nas ligações às redes internacionais – mas não indica o motivo técnico que originou essa interrupção.
A Altice também não fornece qualquer detalhe que permita apurar o que a levou a interromper as ligações com as redes internacionais.
Mas há um dado que foi possível apurar: a perda de comunicações ocorreu nas primeiras horas da madrugada, quando a larga maioria da população está a dormir – e terá sido por isso que aquele que é o maior “apagão” da Internet desde que há registos em Portugal, passou com relativa discrição por Portugal.
O número de acessos afetados permite confirmar que o misterioso “apagão” produziu efeito nas redes móveis e fixas da Altice (há cerca de 3,59 milhões de lares em Portugal; menos de metade dos 8,8 milhões de acessos afetados). A Exame Informática apurou ainda que nem a TDT nem a Rede Nacional de Emergência e Segurança (RNES, mais conhecida por SIRESP) terão sido afetadas por esta falha. Apenas os serviços suportados pela Internet ficaram indisponíveis. O que significa que também os serviços de TV e telefone fixo terão contribuído para as estatísticas elaboradas pelo Centro de reporte de falhas da Anacom (exemplo: um acesso pode ser contabilizado por não ter Internet no telemóvel e ser contabilizado por não ter Internet ou TV na rede fixa).
A Anacom confirma que a Altice cumpriu os regulamentos que exigem o envio de um alerta para população através da Internet, logo que a falha é apurada (uma medida de eficácia questionável, tendo em conta que a população que mais precisa dessa informação está temporariamente sem Internet). Não se prevê qualquer coima ou penalização na sequência do “apagão”.
Questionada pela Exame Informática, a Altice não confirma nem desmente o “apagão” recordista, mas deixa ficar um potencial reparo aos métodos usados para o tratamento estatístico dado aos relatórios da Anacom. «O relatório da Anacom materializa, de forma agregada e sem detalhe da natureza dos serviços afetados, momento da afetação ou impacto efetivo sentido pelos clientes dos serviços de comunicações eletrónicas, o conjunto das notificações recebidas pelo regulador por parte de qualquer empresa que ofereça “redes públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público”, não cabendo à Altice Portugal identificar as entidades de origem das mesmas», responde a Altice numa declaração oficial enviada para a Exame Informática.
A Altice lembra ainda que é a entidade reguladora das telecomunicações que deverá fazer a análise aos impactos gerados pelas diferentes “falhas” nas redes de telecomunicações: «A receção destas notificações permite ao regulador proceder à sua avaliação e, caso necessário, solicitar os necessários esclarecimentos técnicos de forma supletiva e/ou complementar ao detalhe técnico constante das mesmas, onde consta em particular todo o detalhe dos eventos e serviços envolvidos, sua origem, impacto e ações técnicas executadas em termos corretivos, preventivos e de mitigação.»
Além da Altice, só a Nos e a Vodafone têm carteiras de clientes suficientemente grandes para, eventualmente, chegar a 8,8 milhões de acessos/assinantes. A Nos negou que o “apagão” recordista tenha produzido efeitos na respetiva rede. A Vodafone enviou uma declaração escrita escusando qualquer responsabilidade no caso: «Em maio de 2017 a Vodafone não registou nenhum incidente com dimensão suficiente que obrigasse ao reporte à Anacom. A Vodafone não tem qualquer ligação ao caso reportado», reitera fonte institucional da Vodafone quando inquirida pela Exame Informática.