«O teu carro está ligado à Net?». A questão ainda pode parecer despropositada para a maioria dos automobilistas, mas vai tornar-se corrente em 2025, se a estimativa da Bosch que dá conta de um total de 450 milhões carros conectados realmente se confirmar. No Museu da Daimler, em Estugarda, há quem já esteja a trabalhar numa questão diferente que começará a ser colocada pelos visitantes ainda durante este ano – e não em 2025: «este carro consegue encontrar o lugar para estacionar?». A resposta depende de ter ou não um Mercedes com tecnologia Automated Valet Parking, da Bosch.
No dia de arranque do Bosch ConnectedWorld (BCW2018), não faltou um desses veículos mais sofisticados para trazer Volkmar Denner, presidente da Bosch, e Dieter Zetsche, presidente da Daimler, para explicarem no palco principal como é que o mundo interconectado e sensorizado vai transformar as estradas e os carros – e também as vidas de automobilistas e os peões. A começar pela redução de 30% do trânsito urbano que se deve à procura de lugar para estacionar, mas sem esquecer outros números que orgulham de sobremaneira a histórica marca alemã: hoje, há 2,5 milhões de carros conectados com tecnologia da Bosch; o que já permitiu poupar ao mundo 400 mil toneladas de emissões CO2 e 260 mil acidentes.
A demonstração pensada para o BCW2018 acabou por fracassar e foi necessário recorrer a um vídeo gravado previamente para ilustrar uma solução de estacionamemnto autónomo que tem por base a comunicação com sensores fixos que orientam o carro para o lugar de estacionamento indicado tanto dentro de uma garagem como num parque exterior – mas a pequena falha não impediu o homem forte da Daimler de se aventurar numa previsão para um futuro próximo: «A Daimler prevê que no início da década já seja possível usar carros autónomos com nível 5 em algumas áreas controladas», avançou Dieter Zetscher.
Já na conferência de imprensa, Denner preferiu uma previsão mais cautelosa sobre o dia em que os carros com o nível de autonomia total (o nível 5) terão direito a transportar pessoas ou mercadorias em estradas convencionais também usadas por carros conduzidos por humanos ou com níveis mais reduzidos de autonomia. E por isso optou por centrar as previsões no recém-lançado Automated Valet Parking.
O serviço que vai estrear em breve no museu da Daimler tem o potencial necessário para gerar um impacto direto no quotidiano das pessoas e os responsáveis máximos Bosch sabem que o estacionamento automatizado pode ajudar a dissipar o eventual receio que ainda paira sobre os consumidores – independentemente de serem condutores que têm pavor a riscos e amolgadelas, ou serem peões que não abdicam dos seus direitos quando atravessam uma estrada.
Sem Internet das Coisas não seria possível lançar um serviço de Valet automatizado; mas sem ecossistema será mesmo muito mais difícil fazer com que um serviço de IoT ganhe escala mundial. «Nenhuma marca cria uma Internet das Coisas (IoT) sozinha; a IoT tem por base várias parcerias: vamos ter de fazer contratos com empresas que gerem parques de estacionamento – acreditamos que essas empresas vão querer ser nossas clientes», referiu o líder da Bosch, recordando que ainda vai ser necessário algum tempo para convencer as autoridades dos vários países a mudarem o código da estrada para permitir o uso de carros com o mais elevado nível de autonomia (Exemplo: na Alemanha, já é permitido carros com alguns níveis de autonomia mais baixos).
Zetscher também confirma que é no estacionamento que se encontra o primeiro dia do resto da vida da geração dos carros autónomos. «É muito bom conduzir, mas estacionar pode ser tão divertido como aspirar a casa – não é mais que um trabalho que tem de ser feito», sublinha o homem forte do grupo que produz a marca Mercedes.
Na Bosch, já foi apurado um número “mágico” para convencer os gestores de parques de estacionamento públicos a aderirem aos sistemas de parqueamento autónomo: os estacionamentos efetuados em modo autónomo permitem um aproveitamento do espaço 20% superior aos estacionamentos efetuados por humanos. Nenhum dos responsáveis da Bosch mencionou o pormenor, mas o facto de um carro, em modo autónomo, eventualmente, não precisar de abrir ou fechar portas para deixar os passageiros quando se encontra num parque de estacionamento automatizado, eventualmente, poderá contribuir para a racionalização do espaço.
Com o protagonismo das redes móveis a crescer, e o histórico estatuto do automóvel enquanto objeto de desejo a seguir o caminho inverso, a Bosch optou por não perder mais tempo para avançar com a criação de uma nova divisão para os Serviços Móveis Conectados que terá por objetivo exponenciar o negócio com o crescendo de funcionalidades que são acrescentadas à medida que a cobertura vai sendo expandida para as estradas, para a indústria, para os lares – ou até para a agricultura ou para o mundo selvagem, se for necessário.
Volkmar Denner resume numa frase a ambivalência entre hardware e software com que a Bosch tem vindo a evoluir desde que fez da IoT uma das principais “frentes de batalha”. «Basicamente, a IoT resume-se a pegar numa coisa estúpida e torná-la inteligente à medida que se coloca serviços em cima».
A Bosch vende eletrodomésticos? Claro. E sensores? Aos milhões. E máquinas industriais, sistemas de multimédia para automóveis e dispositivos médicos? Sem dúvida. Então por que não tirar partido desse batalhão de máquinas interconectadas para criar serviços que não são estúpidos, apesar de seguirem a lógica do valor acrescentado que indica que 2+2=5? É esse o propósito da recém-criada oitava divisão de negócios da histórica marca alemã.
A par do serviço de estacionamento automático, a marca vai estrear em breve em várias cidades dos EUA e Alemanha e mais algumas localizações europeias um serviço de comunicações entre veículos que recorre aos dados de câmaras, sensores e sistemas de georreferência para indicar os lugares de estacionamento que estão vagos nas imediações.
O rol de exemplos estende-se ainda a outra novidade estreada e divulgada no palco principal do BCW2018: o System!e, uma plataforma que pretende criar uma nuvem especializada em carros elétricos, pretende conquistar consumidores fornecendo informação sobre o perfil de condução mais adequado, tendo em conta a distância a percorrer ou a energia existente na bateria e também pode funcionar como interface para a gestão da produção de energia solar e os períodos de carregamento.
Caruso, uma plataforma que pretende funcionar como broker de dados para diferentes marcas que pretendam desenvolver serviços para carros conectados, e a SPLT, uma app recém-comprada que tem por objetivo levar as empresas a criarem sistemas de partilha de veículos entre colegas, também tiveram honras de palco principal neste evento que, apesar de ter o logótipo da Bosch sempre em pano de fundo, já deverá ser um dos maiores na área da IoT.
Dieter Zetsche, apesar de guiar no dia a dia um mítico SL300 da Mercedes, seguramente que não está disposto a enjeitar as oportunidades que a rede das coisas reserva para os automóveis. A Daimler não tem regateado dinheiro ou recursos humanos para investir em carros autónomos e, eventualmente para despeito dos indefetíveis do tubo de escape, já reservou 10 mil milhões de euros para o desenvolvimento de carros elétricos.
O líder da Daimler também abre as portas a uma possível integração dos sistemas da prestigiada marca alemã com assistentes virtuais domésticos. «Podemos falar com o carro da mesma forma que falamos com um amigo – e ele vai guardar os seus segredos», refere, confirmando que os guionistas que um dia criaram a deixa «Kit, vem me buscar» para a série “Knight Rider – Justiceiro” talvez não estivessem assim tão errados quanto isso.
Questionado sobre o facto de os carros conectados abrirem caminho a um futuro em que as polícias aplicam automaticamente multas às transgressões nas estradas, Denner preferiu relativizar tanto o crescendo de eficiência como a potencial ameaça para a privacidade que resulta da monitorização constante – e lembrou que existem mecanismos nas sociedades democráticas que preveem estas situações e que, por outro lado, os dados recolhidos em viagem já permitiram lançar serviços inovadores na área das seguradoras. Pelo que é a rede que merece maior preocupação: «Precisamos de latência baixa e de largura de banda que chegue às zonas rurais». Uma missão que talvez só possa ser superada quando a quinta geração de telemóveis (5G) estiver disseminada, concluiu o líder da Bosch.
Nota: A Exame Informática viajou a convite da Bosch.