A história de Jan Joum é uma lição para todos os diretores de recursos humanos – em especial para o responsável pela escolha da equipa que trabalha no Facebook. Em 2007, Jan Koum e o ex-colega dos tempos da Yahoo! (e hoje sócio na WahtsApp) Brian Acton tentaram garantir trabalho no Facebook. E ambos foram rejeitados.
Passados sete anos, o valor dos ex-desempregados cresceu substancialmente – e a Facebook já não teve pruridos em abrir os cordões à bolsa. Ontem, o típico desfecho de “conto de fadas de Silicon Valley” cumpriu-se com o anúncio de que a maior rede social do mundo iria comprar a maior app de mensagens do mundo. Nesse momento, surgiram alguns números capzes de arregalar os olhos de todos os aficionados das tecnologias, corretores de bolsa e jornalistas que acompanham o segmento: 19 mil milhões de dólares (cerca de 13,8 mil milhões de euros), compostos por quarto mil milhões de dólares em dinheiro e 15 mil milhões de dólares em ações da Facebook.
De todas as reações que se seguiram, há dois comentários que ajudam qualquer mortal a perceber o que são, realmente, 19 mil milhões de dólares: 1) Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, não poupou nas palavras e logo asseverou que «nunca ninguém fez nada igual na história mundial»; 2) bem mais prosaica, a Reuters lembra que o valor investido é superior àquele que o Facebook conseguiu garantir depois da venda de capital em bolsa.
A fatia de leão dos tais 19 mil milhões de dólares terá como destinatário Jan Koum, o novo menino bonito de Silicon Valley, que nasceu a vários milhares de quilómetros de distância de Silicon Valley e talvez por isso conseguiu chegar ao topo de Silicon Valley… que neste caso, dá pelo nome de Mountain View – a localidade onde se encontra a sede da Google e que passou também a albergar o escritório de Jan Koum enquanto CEO da WhatsApp.
Mas há também uma história pessoal antes da chegada ao El Dorado das tecnologias: Jan Koum nasceu e cresceu nos arredores de Kiev, na Ucrânia – sim, a mesma Kiev que hoje está a ferro e fogo numa acesa disputa política, e que no início dos anos 90 conheceu a derrocada de outro sonho, desta feita, o soviético.
Para a família de Koum, composta por um gestor da construção civil e uma dona de casa, o fim da URSS foi também a oportunidade que faltava para fugir à crise económica do país e à alegada xenofobia contra pessoas de origem judaica. A chegada aos EUA, em 1992, não deverá ter sido muito melhor. Pelo menos, é o que se pode depreender dos relatos agora publicados na Forbes: Koum começa por instalar-se com a mãe e o pai num pequeno apartamento cedido pela segurança social da Califórnia. A mãe arranja trabalho como babysitter e, quando não arranja chatices na escola ou na ainda incipiente Internet, Jan faz biscates… até conseguir entrar no circuito das florescentes dot.coms: inscreve-se na Universidade de San Jose e, em paralelo, chega aos escritórios da Yahoo!, depois de passar pela Ernst & Young e de somar conhecimentos com a leitura de manuais de programação e a troca de impressões em alguns fóruns de hackers.
É na Yahoo! conhece Brian Acton. E é aí que começa a germinar uma amizade que mais tarde redundará em sociedade. Pela mesma altura deixa a Universidade e perde a mãe, que morre com um cancro (o pai já tinha morrido em 1997).
A proximidade de Koum e Acton acentua-se: passam a frequentar os mesmos locais, a praticar os mesmos desportos e a partilhar amizades. E, em 2007, os dois amigos decidem sair da Yahoo.
Depois de uma licença sabática dos negócios, os dois olham para a euforia em torno do iPhone e da App Store e, aproveitam o avanço da tecnologia, para iniciar novos projetos. Acton dedica-se temporariamente a uma startup que não chega a fazer história, e Koum embrenha-se no desenvolvimento de um backend de uma app de mensagens instantâneas que revela o estado em que se encontram os utilizadores. WhatsApp é o nome de guerra escolhido desta app que começa por ser testada num círculo informal de expatriados da Rússia, que também perambulam pelo ecossistema de Silicon Valley.
Face a outras apps de mensagens instantâneas, a WhatsApp tinha um traço distintivo: era a única que associava o utilizador ao número de telemóvel. Do primeiro protótipo à versão 2.0 com mais de 250 mil utilizadores foi um ápice. Koum não tarda a recompor o duo e convida Acton para entrar no projeto. Pouco depois, os dois angariam 250 mil dólares junto de conhecidos dos tempos do Yahoo!.
Sempre na trilho da novidade, a WhatsApp avança com a duncionalidade de inserção de fotos e a anuidade de 1 dólar – e salta nos anos que se seguem para os 450 milhões de utilizadores, mostrando ao mundo que era possível lançar serviços de mensagens com imagens (o MMS é um flop crónico…) e criar um sistema capaz de rivalizar com o SMS.
Hoje, Koum e Acton têm cerca de 60% do capital da empresa – e a Forbes estima que o jovem ucraniano tenha a maior fatia de capital, com cerca de 45%. O que tendo em conta a venda da WhatsApp por 19 mil milhões de dólares, o torna, aos 37 anos, num dos empreendedores mais bem sucedidos de Silicon Valley.
Nos jornais, há quem garanta que a aquisição é uma prova de desespero da Facebook, perante o descontentamento latente de Wall Street, que leva os investidores a exigirem sempre mais lucros, mais novidades e mais utilizadores. A ser verdade que o Facebook precisava do WhatsApp como de pão para a boca, torna-se mais difícil explicar as notícias que dão conta que as duas marcas deverão continuar a funcionar em separado. Talvez o futuro possa dar mais detalhes sobre este assunto.
Quanto a Koum, dificilmente, esquecerá o percurso que o levou até ali. Como recorda a Wired, a sede da WahtsApp, em Mountain View, fica apenas a dois quarteirões do local onde o empresário ucraniano e os pais levantavam as senhas de refeição fornecidas pelos serviços de segurança social do Estado da Califórnia.