O chá das cinco não muda – mas as leis que regulam os filmes pornográficos no Reino Unido acabam de mudar. E para alguns súbditos britânicos, a nova legislação teve o mesmo efeito de um chá das cinco servido frio e fora de horas. Na sexta-feira, bem à frente do Parlamento, em Londres, 21 pares de homens e mulheres decidiram afrontar a emenda que acaba de ser introduzida à lei das Comunicações. Em vez de tarjas e megafones, o grupo distinguiu-se por uma posição mais típica de Kama Sutra que de manual de ativismo e condução de multidões: ela por cima com o quadril sobre o rosto dele(a). Nem sempre vestidos com o rigor exigido pelos fim do outono do Norte da Europa, claro está, mas rigorosamente fora da legislação assinada por sua majestade Isabel II, que proíbe, entre muitas outras experiências e tentações, que surjam em filmes pornográficos situações em que alguém se senta sobre o rosto de outrem.
A emenda, que acaba de ser aplicada pela autoridade que regula os vídeos a vídeos que operam na Internet e em serviços de TV a pedido (ATVOD) no Reino Unido, classifica como crime a distribuição e o visionamento de filmes que não respeitem a cartilha de costumes que guia a líbido televisionada no Reino Unido. A iniciativa legal pode ser encarada de duas formas: 1) por um lado trata-se apenas de uma medida que põe em conformidade a distribuição de vídeos porno na Net e na TV com a legislação que já estava em vigor na venda de DVD; e 2) tendo em conta a perda de popularidade dos DVD e a migração em massa para os streamings e para os canais de TV premium é também uma forma de repor os costumes “antigos” que muitos dos manifestantes de sexta-feira não tardaram de classificar como censura e sexismo.
Mesmo o mais contido dos moralistas terá dificuldade em esconder o riso ao ler algumas prescrições. Um exemplo dado por Myles Jackman, um advogado com carreira feita na defesa da pornografia e da obscenidade, que foi inquirido pelo The Verge: a revisão legislativa permite o uso de «máquinas desenhadas propositadamente para a fornicação», mas proíbe filmes que recorram a máquinas, eletrodomésticos ou ferramentas que se ligam à eletricidade que possam vir a ser usadas com o mesmo fim, caso os protagonistas não disponham de um dispositivo criado para o efeito.
Pete Johnson, líder da entidade que regula os serviços de vídeo on demand, acusa os famosos tabloides britânicos de algumas deturpações da lei, mas tem uma justificação razoável para proibição de cenas mais engenhosas: ao impedir os fetiches com eletrodomésticos, a lei também estará a evitar que os aficionados se magoem se tentarem fazer algo parecido em casa.
A proteção da integridade física do pornógrafo caseiro até poderá ter direito legítimo ao reino das boas intenções, mas já pouco poderá fazer quando se trata de justificar a proibição da ejaculação feminina contra o rosto de outra pessoa. Pelo menos é esse o entendimento dos manifestantes mais ou menos ousados que puseram a nu a discrepância de tratamento consoante o sexo dos protagonistas: a mesma legislação que proíbe imagens de ejaculação feminina contra o rosto de alguém autoriza as imagens de ejaculação masculina masculina em condições equivalentes.
Na lista de restrições impostas pela ATVOD, e publicada pelo Telegraph, cabem ainda mais uns quantos termos técnicos e nada bíblicos que os mais suscetíveis deverão tentar evitar:
Bater; chicotadas agressivas, batidas com varas ou canas, penetração por qualquer objeto «associado a violência»; abuso físico ou verbal («seja ou não mutuamente consentido»); atuações de adultos enquanto menores de idade; urofilia (explicação: “uro” deriva de urina ou de algo relacionado com o aparelho urinário; “filia” é um sufixo usado para descrever uma inclinação ou gosto); manietação de uma das pessoas; ejaculação feminina no rosto de outra pessoa; o estrangulamento; sentar em cima da cara de outra pessoa; e o fisting (cuja tradução é dispensável, especialmente quando se explica que a lei britânica permite a prática desde que não ultrapasse os nós dos dedos).
A lista parece mais uma proibição de atos violentos que de atos amorosos, mas para os manifestantes, é a liberdade íntima e lúbrica que está em causa. E é a faturação de uma indústria que acaba por ressentir-se: Charlotte Rose, organizadora da manifestação, e orgulhosa detetntora do título de Trabalhadora do Sexo de 2013, dá voz e corpo às críticas da nova legislação, que foi aplicada depois de uma outra iniciativa legal que passou a aplicar um não menos polémico filtro que, por defeito, impede o acesso de pornografia através da Internet.
«O governo diz que esta lei é necessária para garantir a consistência, mas quem é que eles pensam que são ao tirarem-no o direito de ver sexo online que é legal e consentido (pelos participantes)? Será que alguém me consegue definir o que é «chicotadas agressivas»? Se eu der uma chicotear alguém com um sorriso nos lábios, será que ainda estarei a ser agressiva?», declara Charlotte Rose.
Pete Johnson, no pouco cómodo papel de regulador da pornografia televisionada, não explica qual a diferença entre chicotadas agressivas e chicotadas não agressivas, mas desmente que a proibição de filmagens com pessoas sentadas sobre o rosto de outras pessoas seja apenas uma proibição relativa a pessoas que se sentam sobre outras pessoas. Confuso? Aqui vai a explicação ao The Verge, devidamente traduzida: «O que há é uma preocupação num ponto específico que está relacionado com a redução do fluxo de sangue e oxigénio no cérebro que pode ser potencialmente fatal (para quem a executa)».
Ao proibir a disseminação de certas práticas menos convencionais, o governo britânico poderá estar a combater situações em que a indústria porno recorre ao falso consentimento do abuso sexual e físico de pessoas em situação vulnerável. A medida pode ser louvável, mas pouco se terá feito ouvir durante uma demonstração que as autoridades dizem ter sido empolada pelos média (as fotos levam a questionar se o número de manifestantes foi superior ao de repórteres presentes no local).
Sebastien Bird, um programador que se descreve como sexualmente submisso, lembra que a lei apenas levará a aguçar o pragmatismo de quem gosta destes conteúdos: «Uma das razões dadas é a proteção das crianças e dos jovens no que toca à pornografia, mas na verdade essa lei não contempla a oferta de pornografia que estas crianças já estão a ver atualmente: os sites de partilha de vídeos».