Daniel Winstead aprovou a versão final do seu estudo para ser publicado na Ambio, o jornal da Academia Real de Ciência da Suécia, no dia seguinte ao início da operação militar russa contra a Ucrânia. O investigador, que contou com a colaboração de Michael Jacobson, professor de recursos florestais, foi apanhado de surpresa pela coincidência temporal admitindo que “de forma alguma pensei que o nosso trabalho – Food Resilience in a Dark Catastrophe: A new Way of Looking at Tropical Wild Edible Plants – se tornasse imediatamente relevante enquanto ainda o estávamos a fazer. Resumidamente, via-o como um conceito abstrato”.
A dupla de investigadores pegou em dados da altura da Guerra Fria há dois anos para começar a perceber como um inverno nuclear afeta a produção de comida em todo o mundo. “A ideia de que uma guerra nuclear pudesse começar agora era impensável”, admite Winstead ao EurekAlert.
Num cenário de guerra nuclear, as nações em latitudes mais elevadas deixam de ter produção agrícola e uma capacidade reduzida de recolha de comida, com o resultado do uso de armas nucleares a ser o bloqueio do Sol e consequente transformação dos solos em permafrost, conclui este estudo. O bloqueio do Sol pode durar vários anos, em consequência da deflagração de bombas nucleares que produzem fuligem. Se a guerra acontecer primariamente entre os EUA e Rússia, modelos computacionais preveem a emissão de mais de 165 milhões de toneladas de fuligem para o ar, tapando a luz do nosso astro durante anos, reduzindo a exposição solar para 40% do valor habitual em regiões perto do equador e para menos de 5% do valor normal para regiões próximas dos pólos e causando quebras acentuadas na temperatura e na precipitação.
Nestas circunstâncias, as florestas tropicais podem ser uma alternativa para uma limitada produção de comida, por constituírem regiões que se mantêm mais quentes, permitindo a colheita de sete tipos de artigos comestíveis: frutas, vegetais com folha, sementes/frutos secos, raízes, especiarias, doces e proteínas.
De uma lista de 247 plantas comestíveis, os dois investigadores escolheram analisar 33 possíveis candidatas e validar o seu potencial para serem cultivadas em florestas tropicais em condições pós-guerra nuclear.
As conclusões são alarmantes: grande parte do território mundial ficaria inabitável e a agricultura não seria possível e só poucas florestas tropicais poderão ter a capacidade de produzir alimentos, com os insetos a poderem ser usados para cultivos de emergência, mas em pequena escala sempre.
“Independentemente do risco de guerra nuclear, existem muitas outras ameaças, sem mencionar sequer as alterações climáticas. Assegurar comida – e nutrição – perante qualquer um destes riscos é claramente um dos maiores desafios da Humanidade nas próximas décadas”, avisa Jacobson.
O estudo destes dois cientistas faz parte de um projeto mais abrangente, o Research on Emergency Food Resilience, da Universidade de Penn State.