O centro rochoso de planetas gigantes gelados pode estar envolto por uma camada de gelo superiónico, uma nova forma bizarra de água que os cientistas conseguiram agora recriar no Laboratório de Energias Laser em Nova Iorque. Os investigadores dispararam um dos lasers mais poderosos do mundo contra uma gota de água, criando uma onda de choque que elevou a pressão para o equivalente a milhões de atmosferas e a temperatura a milhares de graus centígrados. A empreitada permitiu captar por uma fração de segundo, com raios-X, como seria a água nestas condições extremas.
Os átomos da água bombardeada solidificaram-se e formaram gelo cristalino, evidenciando um conceito que já tinha sido teorizado há mais de 30 anos. A descoberta de agora permite confirmar a existência de um gelo superiónico, com propriedades consideradas invulgares. Um cubo desta água pesaria quatro vezes mais do que habitualmente conhecido, seria quente e preto em cor.
Os cientistas estimam que este gelo superiónico deva fazer parte do interior de vários planetas no Universo e a comprovação da sua existência pode permitir dar resposta a muitas questões sobre estes corpos e que já têm algumas décadas, explica a Wired, que republicou o trabalho da Quanta Magazine.
Este gelo superiónico não é constituído por uma parte de oxigénio e duas de hidrogénio, como a água que conhecemos. Esta forma subsiste num limbo apelidado de surrealista, parte sólida e parte líquida, com os átomos de oxigénio a formarem um cubo e os átomos de hidrogénio a espalharem-se livremente sob forma líquida. Esta nova análise sugere agora que este gelo superiónico tem alguma capacidade de condução de eletricidade.
A descoberta só foi possível agora devido a avanços nas formas de medição ultra-rápidas e no controlo preciso de temperatura e pressão: “há cinco anos não seria possível”, afirma Christoph Salzmann, da University College London e que descobriu outras formas de gelo no passado. Livia Bove, física do Centro Nacional de Investigação Científica de França, considera que se trata de “um novo estado de matéria, o que é algo espetacular”.
Simulações computadorizadas feitas em 1988 já previam a existência de um material deste tipo e sugeriam que era a única resposta possível para explicar alguns dos puzzles envolvendo a composição de planetas e outros corpos. Cientistas planetários também desconfiavam de algo estranho, principalmente com as descobertas feitas pela sonda Voyager 2 que sugeriam que os campos magnéticos de Úrano e Neptuno pareciam ser mais complexos e diferentes do que as estruturas bipolares apresentadas noutros planetas. Esta composição mais invulgar ajudaria a explicar a diferente rotação destes dois planetas.
Não é expectável que este material exista noutros planetas e luas do Sistema Solar, mas é provável que faça parte da composição de vários exoplanetas pelo Universo.