Nos ultrassons, há o ir e há o voltar. O ir de uma onda em determinada frequência; e o voltar produzido pelo eco que essa onda gera ao ser bloqueada por obstáculos ou ao interagir com as diferentes matérias que estão no seu caminho. Miguel Caixinha conhece tão bem este processo de “ida e volta” que conseguiu idealizar, quando ainda era aluno de doutoramento na Universidade de Coimbra, um sistema que emite ultrassons à volta dos 20 MHz e descreve a extensão, a localização, a dureza e a tipologia de uma catarata de um olho com uma taxa de sucesso de 99,7%. O projeto despertou o interesse de duas grandes marcas dos dispositivos médicos, mas Miguel Caixinha, Jaime Santos e a Universidade de Coimbra preferiram concorrer a um financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) para desenvolver o dispositivo até ao ponto de comercialização. O financiamento de 240 mil euros acaba de ser aprovado. Miguel Caixinha prevê testar o novo dispositivo em diagnósticos com 50 a 100 pessoas. «Dentro de três anos, será possível fazer a estreia comercial. E até nem estou a ser muito otimista», garante.
Para já, o ESUS (de Eye Scan and Ultrassound System) não é mais que um protótipo laboratorial, composto por uma sonda do tamanho de uma caneta que emite ultrassons e recebe os respetivos ecos, para de seguida os encaminhar através de um cabo para uma box que processa a informação em tempo real e envia os resultados para visualização em telemóveis, tablets ou computadores. Apesar da componente experimental, Miguel Caixinha acredita que não será difícil convencer os potenciais voluntários a submeterem-se a exames de diagnóstico ou até a cirurgias com ultrassons: «Este é um dispositivo totalmente não invasivo, quem nem sequer precisa de anestesia. Os pacientes passam a ter a mais valia de poderem ser operados de acordo com informação que dantes não havia, e sem risco de poderem sofrer rompimentos da cápsula posterior do cristalino».
As cataratas são uma maleita que afeta a cápsula anterior de uma parte do olho que dá pelo nome de cristalino. Nos dispositivos atualmente existentes em consultórios e salas de operações, não há funcionalidades que permitam descrever com certeza e dados quantitativos as características de uma catarata. O que significa que o grau de certeza pode variar diretamente da experiência de quem o faz – e não livra os pacientes de complicações relacionadas com o excesso de energia nos ultrassons ou lasers que são emitidos para destruir as cataratas e a cápsula anterior, mas acabam por romper igualmente a cápsula posterior do cristalino.
Com o sistema desenvolvido por Miguel Caixinha e Jaime Santos, os oftalmologistas e optometristas passam a dispor de uma ferramenta que para indicar a tipologia e localizar com precisão as áreas do cristalino que se encontram afetadas por uma catarata. O que pode ser especialmente útil para saber como é que os especialistas deverão usar os dispositivos clínicos que recorrem a ultrassons ou lasers para eliminar cataratas. «Com o ESUS, torna-se possível indicar que uma catarata tem uma dureza correspondente a x ou y pascais e qual a energia necessária que deve ser injetada para eliminar essa catarata. Deste modo, sabe-se que não há o risco de romper a cápsula posterior do cristalino, que é um tipo de lesão comum nas cirurgias em cataratas muito densas», acrescenta Miguel Caixinha.
O investigador da Universidade de Coimbra, que entretanto começou a lecionar na Universidade da Beira Interior, não receia que os fármacos que têm sido desenvolvidos para dissolver cataratas acabem por inviabilizar o aparecimento do novo dispositivo clínico. «Ao que sabemos, os novos fármacos só conseguem dissolver as cataratas quando se encontram numa fase muito precoce que ainda não afeta a visão dos pacientes… sendo que o nosso dispositivo pode ser usado para detetar as cataratas quando ainda não afetam a visão dos pacientes», refere o investigador.
Além de ser facilmente transportável, o novo dispositivo deverá ter uma segunda característica que Miguel Caixinha acredita poder fazer a diferença na hora da comercialização: «Vai ser um dispositivo com baixo custo, relativamente aos meios de diagnóstico e de terapia usados atualmente. Queremos que seja um dispositivo que os hospitais e os consultórios possam comprar».
Nos tempos mais próximos, não adiantará de muito estabelecer tentar negociar com os investigadores da Universidade de Coimbra para a comercialização do futuro produto. «Decidimos fechar esse tipo de contactos para podermos desenvolver este projeto».