Como os analistas esperavam, o BCE voltou a fazer uma subida agressiva das taxas de juro de referência, em 0,75 pontos. Isso coloca a taxa de depósitos em 1,5% e a taxa de refinanciamento em 2%. São os valores mais elevados desde 2008 e 2009, respetivamente. Devemos esperar novos aumentos nos próximos meses, o que se irá refletir num agravamento ainda maior das prestações de crédito à habitação.
O comunicado emitido pelo banco central nota que, “com o terceiro grande aumento seguido dos juros, o Conselho do BCE fez avanços substanciais no recuo face à sua posição acomodatícia”, pode ler-se no documento, que nota também que o Banco espera subir ainda mais as taxas de juro “para garantir que a inflação regressa de forma atempada ao objetivo de 2% no médio prazo”.
O BCE lembra que os preços continuam a aumentar a um ritmo demasiado veloz, com a inflação a fixar-se em 9,9% em setembro na zona euro. “A política monetária do Conselho do BCE tem como objetivo reduzir o apoio à procura e defender-se face ao risco de um aumento persistente das expectativas de inflação”, acrescenta o comunicado.
Segundo o Capital Economics, a decisão tomada hoje “era antecipada por grande parte dos economistas e investidores”. Até onde podem ir os aumentos? Difícil dizer. “Os nossos responsáveis políticos simplesmente não sabem até onde terão de ir na subida de juros”, refere o analista Jack Allen-Reynolds, dizendo que se espera que superem os 2%. “Achamos que a taxa de depósito atingirá os 3% no início do próximo ano, mais cedo do que os mercados esperam.”
Vários analistas notaram que o comunicado desta reunião tinha eliminado a referência a “várias reuniões” quando falava da escalada futura dos juros, o que foi interpretado como um sinal de que estaria próximo o final deste ciclo de subidas. Durante a conferência de imprensa, Christine Lagarde colocou água na fervura. Embora refira que foram feitos “progressos substanciais”, avisou: “Terminámos o nosso trabalho? Não. Há caminho para andar.”
Isso significa que as famílias devem esperar mais agravamentos dos montantes que pagam todos os meses ao banco. As taxas de juro de referência refletem-se na Euribor, à qual está indexada a esmagadora maioria dos créditos à habitação. O BCE toma estas medidas para tentar controlar a inflação, que está hoje muito acima da sua meta de 2%. Contudo – seja porque as subidas de juros demoram algum tempo a ter efeito, seja porque a origem da subida de preços é pouco influenciada por eles -, haverá um período em que as pessoas sentirão uma tenaz: prestação da casa mais cara, ao mesmo tempo que uma ida ao supermercado esvazia cada vez mais a carteira.
Mudança de paradigma
Em pouco mais de três meses, o BCE aumentou em 2 pontos percentuais as suas taxas de juro. “É o mais agressivo e substancial ciclo de subidas de sempre. Nos dois ciclos anteriores de subidas desde o início da união monetária, o BCE demorou 18 meses a aumentar as taxas em 2 pontos percentuais”, aponta Carsten Brzeski, Global Head of Macro do ING.
Brzeski caracteriza esta subida como mais uma prova “da mudança extrema de paradigma no BCE”, lembrando que há apenas um ano Christine Lagarde ainda resistia a qualquer recuo, mas conduz agora o banco central para a subida mais agressiva de sempre, “apesar da guerra na Europa, poucos sinais de uma economia em sobreaquecimento mas sim indicações de uma possível recessão e inflação recorde, essencialmente motivada por preços altos da energia e das matérias-primas”. Porquê? O BCE parece ter concluído que, mesmo que sejam puxados pela oferta, “inflação muito alta por muito tempo pode prejudicar a credibilidade do banco central”.
Tensão com políticos
Uma consequência desta viragem do BCE é empurrar uma economia europeia já em arrefecimento para o vermelho. Juros mais altos tornam mais “caro” pedir dinheiro emprestado e penalizam a atividade das empresa. Não é certo que a recessão chegue mesmo à zona euro, mas é cada vez mais provável.
Isso ajuda a explicar as reações muito negativas de alguns governantes europeus a este ciclo de subida, de Giorgia Meloni, recém-eleita primeira-ministra italiana, a António Costa. Meloni descreveu a decisão do BCE como arriscada, enquanto o primeiro-ministro português argumentou que subir juros não é a melhor forma de combater uma inflação “importada” e agravada pela guerra na Ucrânia, pedindo ao BCE prudência, citando o risco de recessão.
Os governos estão pressionados pelo descontentamento popular com o aumento do custo de vida, obrigando-os a avançar com medidas de mitigação, mas temem a reação dos mercados financeiros a planos mais ambiciosos que desequilibrem as contas. Ter milhões de famílias com dificuldade em pagar a prestação da casa tornará ainda mais complicado fazer esta gestão.
Durante a conferência de imprensa do BCE, Lagarde foi confrontada com esse descontentamento dos responsáveis políticos, recordando várias vezes que o principal mandato do banco do central é a estabilidade dos preços e que é também isso que está a penalizar as famílias mais vulneráveis. “Estamos preocupados [com o risco de recessão], principalmente com aqueles que têm rendimentos mais baixos. Mas acreditamos que, nestas circunstâncias, a decisão que tomámos hoje é a mais apropriada”, afirmou.
Há quem coloque um problema adicional: enquanto os bancos centrais sobem juros, os governos estão a apoiar a economia via orçamento. Uma iniciativa estará a anular a outra? O BCE reconhece esse risco e Lagarde diz que tem lembrado aos ministro das finanças europeus que devem seguir a regra dos três Ts: “temporary, targeted, tailored”. Isto é, medidas temporárias, dirigidas a grupos específicos que estejam a sofrer mais com a inflação e adaptada a eles e às características da crise.
Dependendo da duração e gravidade desta crise, os próximos meses poderão voltar a animar o debate sobre a independência dos bancos centrais.
(Notícia em actualização)