EDP: Dividendos pagam 60% do investimento chinês
O valor da participação da China Three Gorges na elétrica mais do que duplicou. A essas mais-valias potenciais juntam-se dividendos de €1,6 mil milhões
> Jackpot para a CTG
A participação de 21,35% do Estado na EDP era uma das joias da coroa no plano de privatizações acordado com a Troika. O governo decidiu, no final de 2011, vender essa posição à China Three Gorges (CTG) por €2,69 mil milhões, operação que seria concretizada em maio de 2012. A empresa estatal chinesa venceu a concorrência da alemã Eon e também das brasileiras Eletrobras e Cemig. Além do preço mais atrativo, a CTG ofereceu ainda linhas de financiamento para a elétrica nacional. Apesar de ter acordado a compra da EDP com um prémio de mais de 50% à cotação das ações, não se pode dizer que o investimento do gigante asiático não tenha compensado. Numa década, os 21,35% do capital da elétrica deram direito a dividendos de €1,61 mil milhões, cerca de 60% do valor investido pela China Three Gorges. Essa participação vale agora quase quatro mil milhões de euros, mais do dobro do montante inicial pago pela empresa estatal chinesa. Além dos 21,35% vendidos à empresa chinesa, o Estado encaixou outros €356 milhões com a alienação dos últimos 4,14% que detinha na elétrica, em fevereiro de 2013. Esta última participação já rendeu €256 milhões em dividendos.
> Mais valor, menos lucros
Desde a venda à CTG, a EDP conseguiu aumentar o valor de mercado e reduzir o nível de dívida. Mas nem tudo foi crescimento, já que os resultados líquidos são agora mais baixos. Em 2021, a elétrica teve um lucro de €657 milhões, um valor 40% inferior ao resultado de €1,13 mil milhões obtido em 2011. Porém, a situação financeira da empresa é, hoje, bem mais sólida. O valor da dívida líquida caiu de €16,95 mil milhões para €11,57 milhões, o que ajudou a baixar o rácio de endividamento de 4,5 para 3,5 vezes o EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações). O balanço mais forte, a aposta contínua da empresa nas renováveis e o risco-país bem mais baixo do que nos tempos da Troika ajudam a explicar o crescimento da capitalização bolsista da empresa, que passou de €8,74 mil milhões, no final de 2011, para mais de €20 mil milhões, em agosto deste ano.
> Menos investimento em Portugal
Na última década, a EDP cresceu em diversos mercados internacionais. Mas em Portugal tem existido desinvestimento, com a alienação de alguns ativos importantes, caso das seis barragens vendidas à Engie, em 2019, por €2,2 mil milhões. A capacidade instalada no mercado nacional desceu 25% desde final de 2011, caindo de 10 992 para 8 267 megawatts (MW). O investimento da elétrica tem sido direcionado sobretudo para fora de portas, já que, globalmente, a capacidade instalada aumentou 6,2%, para 24 651 MW. No ano passado, o peso de Portugal no investimento de €3,5 mil milhões feito pela EDP foi de 16%, o que fica bem abaixo dos 40% destinados à América do Norte e dos 20% canalizados para o negócio no Brasil. Também o número de trabalhadores no mercado nacional sofreu uma redução, com uma queda de mais de 20%, passando de 7 252 funcionários, em 2011, para 5 716, no final do ano passado. Já o número total de empregados manteve-se estável, acima de 12 mil, e o investimento aumentou de €2,16 mil milhões para €3,5 mil milhões.
REN: China com ativo menos valioso, mas com jackpot nos dividendos
A chinesa State Grid tem-se mantido comprometida com o investimento na REN. Já a Oman Oil desfez-se da participação no ano passado
> As vendas e os dividendos
Em 2012, o Estado vendeu 40% do capital da empresa que gere as infraestruturas de energia do País aos chineses da State Grid e à Oman Oil por €592 milhões. Numa década, essas participações deram direito a €361 milhões em dividendos, cerca de 60% do valor da venda. No entanto, a privatização total da REN só se concluiria em 2014, numa operação que combinou uma alienação direta e venda em bolsa dos 11% que o Estado ainda detinha na empresa. Essa última fase de privatização rendeu mais €157,4 milhões aos cofres públicos e, desde então, gerou dividendos de €69 milhões. No total, tendo em conta as vendas feitas desde 2012, o Tesouro arrecadou €749,4 milhões com a venda de participações na REN, que viriam posteriormente a receber €430 milhões a título de dividendos.
> Participações menos valiosas
Historicamente, a REN é uma das empresas da bolsa portuguesa com uma taxa de rentabilidade dos dividendos mais atrativa. No entanto, as participações compradas na privatização de 2012 não tiveram grandes valorizações. Há uma década, a State Grid pagou €387 milhões (um preço de €2,90 por ação) para ficar com 25% da empresa que gere a rede elétrica nacional, e a Oman Oil comprou 15% a troco de 205 milhões (€2,56 por ação). Excluindo os dividendos, essas participações desvalorizaram. No caso da State Grid, a posição atual – que incluiu um reforço de €62,5 milhões feito num aumento de capital, no final de 2017 – está avaliada em €368,5 milhões, o que reflete uma desvalorização de 18% dos investimentos realizados. Já a Oman Oil saiu do capital da REN em julho de 2021, com uma venda fora de bolsa. Os montantes dessa operação não foram divulgados, mas os valores da cotação, na altura, avaliavam a participação em cerca de €190 milhões, menos 7% do que o montante pago em 2012.
> Lucro e investimento mais baixos
O aumento de capital de julho de 2017 ajudou a REN a ter atualmente um valor de mercado mais elevado do que no final de 2011. Em meados de agosto deste ano, a empresa tinha uma capitalização bolsista de €1,84 mil milhões, um valor superior ao de €1,13 mil milhões registado há dez anos e meio. Apesar do maior valor de mercado, a REN tem hoje lucros mais baixos. No ano passado, reportou um resultado líquido de €97,2 milhões, abaixo dos €120,6 milhões alcançados em 2011. Também o investimento é agora mais modesto: totalizou €247 milhões em 2021, menos €100 milhões do que no ano anterior à venda de parte do capital à State Grid e à Oman Oil. Já a dívida líquida teve um ligeiro acréscimo na última década, subindo de €2,31 mil milhões para €2,36 mil milhões, o que piorou o rácio de endividamento de 4,9 para 5,1 vezes o EBITDA.
CTT: Encaixe para o Estado, desvalorização em bolsa
A privatização dos CTT rendeu mais de 900 milhões de euros ao Tesouro. Atualmente, a empresa vale cerca de 500 milhões
> Encaixe de 909 milhões
Os CTT foram a única privatização feita durante o programa de assistência financeira exclusivamente com recurso ao mercado de capitais. Houve uma oferta pública de venda no final de 2013, em que foi vendida uma participação de 70% da empresa e, em setembro de 2014, foram alienados os restantes 30% numa operação destinada a investidores institucionais. No total, o Estado encaixou €909 milhões. Entre os principais acionistas da empresa de correios após a privatização estiveram grandes bancos de investimento (como o Goldman Sachs e o Deutsche Bank) e gestoras de ativos como a Standard Life ou a Allianz Global Investors. Esses investidores foram perdendo peso, e hoje os maiores acionistas são o grupo de Manuel Champalimaud (com 13,12%) e a família Domínguez de Gor (com 10,04%).
> 90% do lucro para dividendos
A generosa remuneração aos acionistas foi um dos principais argumentos a seduzir os investidores na entrada em bolsa dos CTT. Desde a estreia no mercado de capitais, a empresa de correios premiou os acionistas com um valor 90% superior aos dos lucros obtidos. No total, foram distribuídos €375,8 milhões em dividendos, enquanto os resultados acumulados totalizaram €403,7 milhões. Houve alguns exercícios em que os CTT pagaram dividendos superiores aos lucros obtidos. O valor destinado a remunerar acionistas vale mais de 40% do encaixe obtido pelo Estado com a venda da empresa de correios.
> Desvalorização em bolsa
Os CTT valem atualmente bem menos do que o valor encaixado pelo Estado nas duas operações públicas de venda (OPV). Em meados de agosto deste ano, a capitalização bolsista da empresa de correios era de cerca de €505 milhões, menos 44% do que o preço obtido pelo Tesouro. As ações negoceiam em torno dos €3,37, 39% abaixo do preço de €5,52 com que entraram em bolsa.
> Menos lucros, mais receitas
Face a 2013, os CTT são agora menos lucrativos. No ano passado, reportaram um resultado líquido de €38,4 milhões, um valor 37% abaixo dos €61 milhões alcançados em 2013. No entanto, as receitas são maiores, passando de €704,8 milhões, em 2013, para €847,9 milhões, em 2021.
> Redução de lojas e funcionários
Os CTT registam também uma descida no número de lojas e de funcionários. A empresa contava, no final de 2021, com 12 608 trabalhadores, menos 296 do que no final de 2013. Já o número de lojas baixou 8,5%, caindo de 623 para 570. A empresa tem sido alvo de várias penalizações por parte da Anacom, por falhas no cumprimento dos indicadores definidos nos contratos de concessão do serviço postal universal.
ANA: Lucros equivalem a 37% do investimento da Vinci
As receitas da ANA estavam a ganhar altitude, mas a pandemia pôs um travão nos ganhos e na criação de emprego
> Negócio de três mil milhões
A Vinci bateu, no final de 2012, a alemã Fraport, a suíça Zurich Airports e a argentina Corporación América na corrida à ANA – Aeroportos de Portugal. A proposta da empresa francesa englobou cerca de €3,1 mil milhões. Desse valor, 700 milhões foram para assegurar a dívida da empresa, 1,2 mil milhões para pagar por 95% do capital da ANA e outros 1,2 mil milhões a troco da comissão da concessão de 50 anos. Desde 2013 até final de 2021, os lucros acumulados da ANA foram de 1,12 mil milhões, equivalentes a 37% do valor investido há uma década. Além da gestora dos aeroportos nacionais, a Vinci tem também uma participação relevante na Lusoponte, que detém a concessão das pontes 25 de Abril e Vasco da Gama.
> Pandemia trava subida das receitas
A pandemia afetou muito o negócio da ANA, o que fez com que as receitas obtidas em 2021 fossem mais baixas do que as de 2012, o último ano em que esteve sob domínio público. Desceram de €433 milhões para €423 milhões. No entanto, antes da crise da Covid-19, as suas receitas estavam a ganhar bastante altitude. Em 2019, a empresa faturou €899 milhões. Já os lucros obtidos foram de €303 milhões no ano que precedeu a pandemia, bem acima dos €53,9 milhões reportados em 2012. As medidas de contenção da pandemia afetaram significativamente os resultados: em 2020, a ANA teve um prejuízo de €79,7 milhões e, no ano passado, um lucro de €25,5 milhões.
> Margens de lucro altas
Apesar do impacto da pandemia no tráfego nos aeroportos, a ANA obteve uma margem EBITDA de 41,5% em 2021, acima dos 35,2% verificados em 2012. Antes da pandemia, a Vinci tinha conseguido melhorar de forma significativa as margens de lucro. Em 2019, o peso dos lucros operacionais no total da receita foi de 65,1%.
> Investimento com altos e baixos
Em 2021, o investimento feito pela ANA foi quase metade do realizado no último ano em que foi detida pelo Estado: caiu de €53,1 milhões, em 2012, para 25,7 milhões, no ano passado. No entanto, em 2020, a empresa tinha investido um valor mais elevado, num total de €76,2 milhões. Em 2019, antes de a pandemia causar uma disrupção nunca vista no setor da aviação, a ANA tinha investido €47,1 milhões. A empresa terá também um papel fundamental no financiamento do novo aeroporto em Lisboa. Em 2019, a gestora aeroportuária acordou um investimento de €1,15 mil milhões na solução Portela e Montijo. Em troca, a ANA beneficiaria de um novo modelo de cálculo para as taxas aeroportuárias. Essa solução acabaria por não ter luz verde, e o Governo está ainda a estudar a melhor alternativa.
> Menos trabalhadores
O plano apresentado pela Vinci para ganhar a privatização da ANA previa um aumento dos postos de trabalho. A empresa conseguiu fazê-lo até 2019, se bem que a um ritmo menor do que o aumento de passageiros. Em 2012, a ANA teve um número médio de 3 034 trabalhadores, o que equivalia a um funcionário por cada 10 506 passageiros. Em 2019, a empresa contou com uma média de 3 405 funcionários, um rácio de um trabalhador por cada 17 363 passageiros. Porém, a pandemia levou a ANA a cortar a fundo nos recursos humanos, com o número médio de funcionários a cair para 2 557, em 2021.
As vendas da CGD
O banco público também alienou alguns ativos devido às diretrizes de Bruxelas. O mais relevante ocorreu na área dos seguros e permitiu um encaixe superior a mil milhões de euros
> Caixa Seguros
Em 2014, o banco público vendeu 85% da Caixa Seguros ao conglomerado chinês Fosun, em troca de mais de mil milhões de euros. Na altura, a Fidelidade e as outras seguradoras da Caixa valiam cerca de 30% do mercado nacional, uma quota de mercado que se mantém estável. Este negócio marcou a entrada do Fosun no mercado nacional, onde protagonizou alguns grandes negócios. Além dos seguros, o grupo chinês detém também 29,95% do BCP e controla, direta e indiretamente, quase todo o capital da Luz Saúde.
> Caixa Saúde
A Caixa Geral de Depósitos alienou ainda o seu negócio de saúde em novembro de 2012. A venda da HPP Saúde foi feita aos brasileiros da Amil por €37 milhões. Pouco tempo depois, o grupo comprador viria a ser adquirido pelo norte-americano UnitedHealth. A partir de 2014, o antigo negócio da CGD na área da saúde passou a chamar-se Grupo Lusíadas, e atualmente a empresa está novamente à venda, com vários interessados nesse ativo.
> Participação na Portugal Telecom
No âmbito dos compromissos assumidos com Bruxelas para alienar posições que não fossem estratégicas, a CGD vendeu, em outubro de 2013, a participação de 6,11% que detinha na Portugal Telecom. Esse negócio permitiu um encaixe de €190,6 milhões. Cerca de um ano mais tarde, a operadora portuguesa entraria numa espiral de destruição de valor, provocada pelos investimentos na Rioforte (holding do Grupo BES) e pela fusão com a brasileira Oi.
Artigo publicado originalmente na edição 461, de setembro de 2022, da revista Exame