Num país onde tanto se fala que é preciso aumentar a produtividade para que se consiga aumentar salários, muitas vezes se esquece que um dos fatores está na baixa formação de empregadores e empregados. Na verdade, “50% das empresas portuguesas valorizam a formação, mas menos de 20% a promove”. E porquê? Porque é preciso disponibilizar tempo aos trabalhadores. E tempo, nos negócios, é dinheiro, tem um custo. Só que, ao contrário do que se possa pensar, facilitar formação não é uma perda de tempo para as empresas, uma vez que “os ganhos de produtividade podem chegar aos 5%”, registando igualmente “ganhos ao nível do valor acrescentado bruto e das exportações”.
Esta é uma das ideias chave do Guia para as Empresas: Como apostar na formação dos Trabalhadores, lançado hoje pela Fundação José Neves (FJN) , cuja ação tem reforçado cada vez mais a importância da educação no desenvolvimento do país. Ao fazer um compêndio de todos os estudos e indicadores estatísticos que sustentam esta premissa, e dar até algumas indicações sobre os vários procedimentos a seguir, a FJN pretende sensibilizar os empresários para que não remetam a formação para segundo plano, como tantas vezes acontece.
É que apesar de as empresas reconhecerem que a formação é importante, ela não surge nas suas prioridades. “Em Portugal, 50% das empresas dizem considerar a formação dos colaboradores como muito importante”, diz-nos a FJN , o que é, surpreendentemente, “um valor superior ao do conjunto das empresas dos 27 países da União Europeia”, que se fica apenas pelos 35%. Contudo, esta vantagem perde-se quando a realidade aponta para que “apenas 16% das empresas portuguesas apostam efetivamente na formação” dos seus trabalhadores.
Em 2019, “cerca de 84% das empresas portuguesas” não investiram na formação dos seus trabalhadores, pois entenderam que “os custos ou obstáculos se sobrepõem aos benefícios”. E os principais obstáculos apontados foram “a falta de tempo e os custos” inerentes.
A falta de tempo decorre da “dificuldade em conciliar a participação em ações de formação com o elevado volume de trabalho, com os prazos a serem cumpridos, com o caráter rígido da organização da produção e com os horários de trabalho”. As empresas temem “perdas imediatas de produção”. O que liga imediatamente ao fator custo, ainda que indireto. Já os custos diretos – que contemplam os materiais, os recursos envolvidos ou as propinas pagas ao trabalhador – são apontados como um obstáculo por 46% das empresas em Portugal, contra 29% na EU.
Empresas devem promover formação em contexto de trabalho
E qual é, afinal, a vontade do trabalhador? Não quer aprender mais? Ou não pode? Dados do Eurostar também plasmados no Guia indicam que “cerca de metade (47,6%) dos adultos portugueses gostaria de apostar mais na sua formação”, mas não o faz. As justificações: falta de tempo (59%), custos financeiros (39%), motivos familiares (32%) e a falta de apoio da entidade empregadora (28%).
Se Portugal não se tornou ainda num sistema económico amigável à formação contínua, torna-se claro que as empresas “têm um papel importante” nesta mudança necessária, criando e promovendo ações de formação em contexto de trabalho. A FJN sugere que se identifiquem necessidades e se encontrem soluções que beneficiem as partes, tais como “alargar a flexibilidade horária, financiar ou promover diretamente ações de educação e formação, ou por outras iniciativas resultantes da partilha entre colegas de trabalho e chefias”.
No final, é só preciso encontrar a motivação do trabalhador. Sendo que, tendencialmente, são os mais velhos e com menos qualificações que vão sendo deixados para trás, aumentando o fosso entre classes qualificadas e não qualificadas.
Para além dos ganhos de produtividade, uma empresa que aposte em formação estará mais bem preparada para enfrentar a concorrência, num mundo que está em célere e sucessiva mudança. “Reduzir o tempo gasto em monitorização e em correções de erros e de desempenho” é uma mais-valia decorrente da intensidade da aposta feita e, não por acaso, são as grandes empresas quem mais valoriza a formação.
E se a formação causa um melhor desempenho dos trabalhadores, isso também se reflete “em ganhos de reputação para as empresas e em consumidores mais satisfeitos e leais, o que gerará maior rentabilidade do produto ou dos serviços”. A FJN cita uma análise recente feita no Reino Unido para o setor dos serviços que registaram “margens de lucro 18% mais elevadas ao fim de dois anos, tal como receitas de vendas por colaborador 87%”. Também as empresas que privilegiaram a formação dos seus gestores tiveram ganhos “24% mais elevados”.
Mais planos estratégicos e menos formação reativa
Em Portugal, também foi analisado o impacto das bolsas de formação do Fundo Social Europeu. As conclusões foram similares: “5% no aumento do número de trabalhadores; 5 a 10% de aumento do volume de vendas; 3 a 15% de aumento do valor acrescentado bruto; exportações a crescer entre 2 a 15% e um aumento de 5% na produtividade”.
Um trabalhador realizado e satisfeito é um trabalhador que se mantém fiel à empresa. Mas nos empresários, ainda a braços, por vezes, com números significativos de contratos a termo, permanece o medo de estar a custear a formação de alguém que, depois, abandonará a empresa. O Guia agora lançado sublinha o facto de, em 2019, “cerca de 36%” dos contratos de trabalho serem “a termo”, tendo estes “aumentado 11pontos percentuais” face a 2010, pelo que é um fator “particularmente relevante” para analisar o estado da situação.
O trabalho agora apresentado pela FJN – que também concede bolsas de estudo para formação superior – dá ainda uma série de conselhos úteis às empresas. Quer mostrando as entidades formadoras existentes em Portugal a que as empresas podem recorrer, quer na forma de aprendizagem que pode ser promovida internamente. E que pode ser realizada com coisas tão simples como constituir equipas com trabalhadores experientes que avancem com esquemas de tutorias, por exemplo, seguindo o lema de “aprender, fazendo”.
Importante será organizar a empresa de modo a promover uma formação estratégica e não apenas reativa. “É indispensável que as empresas desenvolvam com alguma regularidade planos de avaliação das necessidades de novas competências, considerando as capacidades dos seus colaboradores e as exigências atuais do mercado de trabalho”, aponta este Guia. “Análises de mercado, exercícios de previsão e outras metodologias orientadas para o futuro são raramente aplicadas”, considera.
Este Guia dá ainda uma série de exemplos concretos e bem sucedidos recolhidos da edição de 2021 das Melhores Empresas para Trabalhar, editada pela revista Exame.
Entretanto, a FJN prepara tem já agendado o seu evento anual sobre o Estado da Nação, agendado para 21 de junho. O ex-primeiro ministro Durão Barroso e António Horta são dois dos convidados confirmados. A cantora canadiana Alanis Morissette também estará presente para falar de sustentabilidade de bem estar.