Os apoios desenhados pelo Governo português para fazer face à crise, apesar de alinhados genericamente com os de outros países da União Europeia, pecam por estar mal direcionados e por serem demorados, considera Susana Peralta. A economista sublinha ainda a incoerência de, ao mesmo tempo que se evita o endividamento, estarem a ser canalizadas verbas para sustentar empresas que considera “zombie”, como a TAP.
“O Governo podia alterar a forma de gastar o dinheiro, havia formas que fossem mais ao encontro das necessidades das pessoas,” afirma. “Há conservadorismo neste governo de chegar à economia com apoios que deem espaço para respirar”. A professora de Economia na Nova SBE acrescenta ainda que as políticas de apoio desenhadas pelo Executivo para combater os efeitos da pandemia foram mais condicionais que noutros países, o que aumentou o tempo de resposta: “Quanto mais condições se impõe, mais burocrático e demorado. E isso são pedras na engrenagem para uma economia já de si parada.”
Intervindo esta terça-feira na conferência Portugal em Exame, no painel que na parte da tarde analisou “Os caminhos da recuperação,” Susana Peralta comparou os 2,5% do PIB que representam os apoios até agora disponibilizados com a queda prevista da economia que rondará os 10% este ano; e os mecanismos desenhados em Portugal, assentes em moratórias de rendas, empréstimos e pagamentos de impostos, que empurram a resolução do problema para a frente, com apoios mais diretos, por exemplo à restauração, na Alemanha.
E voltou a questionar as opções de socorro do Executivo de António Costa, comparando nomeadamente com o apoio dado à TAP. “O Governo foi extremamente cuidadoso em não se querer endividar mais e aumentar impostos e cortar apoios sociais, mas isso é incoerente com a forma mãos-largas como decidiu meter 1,2 mil milhões na TAP,” apontou. “Se há empresa candidata a ‘zombie’ muito gorda, é a TAP.”
A economista sublinhou a este propósito a possibilidade de a atual crise ser aproveitada para expurgar a economia de empresas improdutivas que sugam disponibilidades do sistema financeiro, deixando espaço para que, após este abanão, possa emergir uma economia diferente. “Vai ser preciso ir deixando cair progressivamente essas empresas, com critérios mínimos. Transferir o apoio para as pessoas e deixar a economia reinventar-se. Não podemos ter um choque e acreditar que ocorre da mesma maneira,” alertou.
Confessando-se surpreendida com a rapidez com que os trabalhadores se adaptaram ao confinamento, notou no entanto a desigualdade com que foi feito esse ajuste: entre os trabalhadores não-essenciais e os essenciais, que tiveram de se expor aos riscos; entre aqueles que puderam e não puderam (casos da hotelaria ou restauração) fazer teletrabalho, com impacto no rendimento; e, entre as mulheres que, fazendo trabalho remoto, tiveram de o acumular ainda às tarefas domésticas.
Aliás, para a economista, se houve alguma virtude nesta pandemia ela foi a de dar a essa questão da desigualdade uma centralidade no debate que não tinha antes, sobretudo junto das instituições internacionais como FMI, ONU e BCE. “A economia é como um doente, as cicatrizes demoram a curar. E as cicatrizes que esta crise está a deixar são muito ligadas à questão da desigualdade,” considera. “Vai deixar cicatrizes no capital humano das pessoas, que tem custos para o nosso PIB.”