É um dos mecanismos de redução do impacto da crise provocada pela Covid-19 na economia apresentados pelo Governo, mas os empresários não pouparam críticas às condições exigidas para o acesso ao lay-off simplificado. Os reparos motivaram alterações ao mecanismo e, nas últimas horas, várias empresas anunciaram a intenção de aderir ao sistema. Começam a aplicá-lo já a partir de amanhã, 1 de abril.
Até ontem, 1.400 empresas já tinham pedido ao Ministério do Trabalho para aderir à medida, através da qual é possível colocar a força de trabalho em standby parcial ou total nos casos em que os empresários se viram forçados a fechar os estabelecimentos ou de quedas abruptas da faturação. Desta forma, reduz-se a fatura das empresas com vencimentos (já que os encargos são partilhados com o Estado) e o Governo procura preservar os postos de trabalho até ao momento em que, ultrapassada a fase mais crítica da pandemia, a economia possa ser relançada.
Nas últimas horas foi conhecida a intenção da TAP avançar para este processo na próxima quinta-feira, 2 de abril. A Lusa avança, citando um comunicado da administração aos colaboradores, que o lay-off abrangerá 90% dos empregados e que os restantes ficarão com o horário reduzido em 20%. Falta ainda a confirmação oficial da empresa. Por seu lado, o Governo diz não ter recebido até ao momento o pedido da TAP para aceder ao mecanismo. A companhia cortou recentemente de 90 para 16 as suas rotas e vai entrar em abril com uma nova redução de frequências que deixa apenas três ligações – Lisboa ao Funchal, Ponta Delgada e Terceira – com cinco voos por semana. Em dezembro do ano passado só a companhia aérea empregava 9.006 pessoas, que representaram custos de €626,5 milhões.
Esta segunda-feira a empresa liderada por Antonoaldo Neves esteve reunida com os sindicatos e terá transmitido a intenção de colocar trabalhadores em pausa temporária devido à quase anulação de voos em abril. Em comunicado citado pela Lusa, o sindicato dos técnicos de manutenção (Sitema) confirmou que a administração está a estudar a aplicação transversal do mecanismo a toda a TAP. À TSF o presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), referiu que a medida deve abranger “90 a 95% dos trabalhadores”. Em 2018 todo o grupo (não só a companhia aérea) empregava 13.000 colaboradores.
Outras companhias com atividade em Portugal já iniciaram o mesmo caminho. A Ryanair, que ontem anunciou a colocação em terra de toda a sua frota, justificou aos sindicatos em Portugal que o recurso a este mecanismo é “indispensável para a manutenção da viabilidade e preservação dos postos de trabalho” e que vai abranger a maioria dos seus trabalhadores em Lisboa, Porto, Faro e Ponta Delgada. Outra low-cost com operação no País, a easyJet, que em novembro empregava 329 pessoas nas duas bases – Lisboa e Porto –, também já avisou os trabalhadores, segundo o Dinheiro Vivo, de que vai iniciar um processo semelhante.
Restauração, turismo e indústria
Na restauração, outro dos setores mais afetados pela paralisação da economia ditada pelas regras de contenção, a Ibersol arranca também amanhã, 1 de abril, com o lay-off simplificado (sem referir quantos postos de trabalho serão abrangidos), depois de ter anunciado o encerramento de mais de metade (189) dos 350 restaurantes no País, de marcas como KFC ou Pizza Hut. Os restantes continuam abertos com entrega ao domicílio e/ou take-away. Em 2018, data do último relatório e contas publicado, o grupo empregava 10.286 pessoas.
À semelhança da restauração, o setor hoteleiro será um dos potenciais maiores utilizadores deste mecanismo. Com a Páscoa já estragada à porta, esta indústria está a braços com cancelamentos de reservas e espera vendas nulas em mais de 90% das empresas em abril e maio (contas da Confederação do Turismo de Portugal). O Presidente da República, reunido ontem com as confederações do turismo e do comércio, sublinhou a importância de aplicar o mecanismo “no mais rápido espaço de tempo possível” para permitir às empresas “aguentar” trabalhadores em abril e maio.
À EXAME, fonte da Vila Galé, segundo maior grupo hoteleiro, confirmou o recurso ao lay-off simplificado a partir de amanhã, que será aplicado à maioria dos colaboradores em Portugal. “Nesta fase, a Vila Galé tudo fará para proteger todos os postos de trabalho,” disse a mesma fonte. O grupo Altis anunciou também ontem aos colaboradores, segundo o Dinheiro Vivo, que vai fechar a quase totalidade dos hotéis da cadeia e suspender a maioria dos contratos de trabalho. Na Madeira, segundo a RTP, há uma semana já havia mais de uma dezena de hotéis a querer recorrer ao mecanismo.
Na indústria, atividades como o têxtil (que emprega 140 mil pessoas) ou a construção automóvel já têm empresas que adotaram medidas neste sentido, casos da Coindu ou da Dura Automotive. No calçado, a firma de Luís Onofre, presidente da associação do setor, vai suspender o contrato dos 55 funcionários a partir de amanhã.
O que diz o lay-off simplificado
O apoio extraordinário, apresentado pelo Governo e já alvo de três modificações, dá a possibilidade às empresas de manterem os empregos em caso de encerramento temporário por decisão do Governo ou de autoridade de saúde, de paragem total devido à interrupção de cadeias de fornecimento ou cancelamento de encomendas e reduções fortes na faturação – pelo menos 40 % no mês anterior em relação à média dos dois meses anteriores.
O regime prevê a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão de contrato de trabalho, período no qual é garantida uma compensação aos colaboradores abrangidos de 2/3 do seu salário (num mínimo de €635 e máximo de €1.905. Desse valor, 30% são assegurados pela empresa e os restantes 70% pela Segurança Social. O apoio dura um mês e pode ser renovável mensalmente até um máximo de três meses. Os trabalhadores abrangidos pelo mecanismo terão de pagar IRS sobre dois terços do rendimento que receberem.
Enquanto beneficiar do apoio e nos dois meses seguintes as empresas não podem despedir os trabalhadores abrangidos (a não ser por questões disciplinares) nem fazer despedimentos coletivos ou por extinção do posto de trabalho (no caso da generalidade dos colaboradores), sob pena de serem obrigadas a devolver o valor recebido.
O formulário para acesso ao lay-off simplificado ficou disponível na sexta-feira passada e os primeiros pagamentos às empresas abrangidas só serão feitos dentro de um mês, em 28 de abril. O Negócios avança esta terça-feira que também os sócios-gerentes de micro-empresas, atualmente não abrangidos pelo modelo, possam vir a ser beneficiados. O ministro da Economia, Siza Vieira, quer analisar o caso mas à margem do lay-off. “O lay-off é para trabalhadores, não é para empregadores,” disse hoje à TSF.
A medida deverá custar mil milhões de euros por mês, segundo as contas do primeiro-ministro, António Costa. Em entrevista recente ao Porto Canal, o ministro da Economia admitiu que o novo regime pode vir a abranger um milhão de trabalhadores.
(Notícia atualizada às 19:12 com informações do grupo Vila Galé e da entrada em lay-off de 90% dos colaboradores da TAP)