(artigo publicado originalmente na edição 429 da EXAME, de janeiro de 2020; atualizado a 2 de março)
Ainda não tinham chegado à maioridade quando, em 2008, a falência do Lehman Brothers criou o maior turbilhão financeiro que conheceram na vida; uma década depois, à entrada do mercado de trabalho, Ana Rita, Andreia, Júlio e Marta são parte da geração sub-30 que está a ajudar a transformar a vida da banca no pós-crise. Mais do que uma carreira no setor financeiro, querem fazer a diferença e viver experiências enriquecedoras. E, de caminho, ajudar a que não se repitam os erros do passado.
Os quatro, que em 2017 integraram o primeiro programa de trainees do Montepio, serão os mentores para uma nova fornada de 20 estagiários, selecionados até meados de janeiro e que chegam à instituição esta segunda-feira, 2 de março. Sangue novo vital para um banco em que a média de idades dos cerca de 3 500 colaboradores é de 45 anos, com 18 de casa, e em que, segundo notícias recentes, há sinais de descontentamento.
“No primeiro dia, mostraram-nos uma estatística: só cerca de 1% das pessoas tinha menos de 30 anos”, relembra Júlio Moreira, de 26 anos. “De repente, estávamos a entrar quase 50 pessoas [com essa idade] e isso criou um choque em toda a organização”, recorda, antes de chegar aonde está hoje, a direção de Marketing Estratégico. No final do seu mestrado no ISCTE, recusou “o caminho que todos fazem” quando terminam o curso de Gestão – seguir para as big four da auditoria ou consultoria – e propôs-se ao programa.
Entre as candidatas, estava também Ana Rita Corrente, que, juntando as duas áreas da sua formação académica – Comunicação e Ciências Empresariais –, entrou pela porta de uma das áreas centrais do Montepio, a da Economia Social. “Foi uma das coisas que me despertaram muita curiosidade, é um mundo”, diz a colaboradora, de 26 anos, colocada naquela direção. Esta predisposição para integrar organizações com uma “vocação para além do intuito estritamente lucrativo” é, sustenta Sandra Brito Pereira, a diretora de Gestão de Pessoas do banco, uma das marcas da geração de Júlio e de Ana Rita.
Mas há outras. Os millennials gostam de ciclos curtos, privilegiam a rotatividade e as novas experiências. E nem todos vieram motivados pelas mesmas coisas. Se Júlio é, por natureza, “uma pessoa muito de números e finanças” e Ana Rita encontrou um ponto de contacto com os temas da literacia e confiança financeira – que explorou na tese de mestrado –, já Andreia Coelho sentiu o apelo das oportunidades que o setor pode criar para o marketing digital. “Não vejo isto como o início de uma carreira na banca, mas como uma fase na minha carreira”, diz esta colaboradora, formada em marketing, publicidade e relações públicas, que, aos 25 anos, integra a direção de Comunicação e Marca. Para a casa, o desafio é permanente. “Perdemos sempre alguns para outras organizações nos primeiros três a cinco anos”, admite Sandra Brito Pereira.
“Ruído” que se desvanece
O novo processo de recrutamento coincidiu com o surgimento de novos sinais negativos sobre a vida interna do banco, após meses de frenesim noticioso em torno do modelo de governance, da estrutura societária, da separação de marcas e da liderança da instituição. Em dezembro, o jornal online Eco revelava resultados de um inquérito interno promovido, no verão passado, pela comissão de trabalhadores junto de mais de 60% dos colaboradores: insatisfação com o salário, com o desempenho de funções e com a falta de oportunidades para progredir na carreira. Uma questão que, escreveu o Público, levou o Banco de Portugal a pedir explicações à instituição e a administração do banco a comprometer-se com a apresentação de medidas.
Antes de estas conclusões serem públicas, Sandra Brito Pereira afirmava em entrevista à EXAME que o impacto interno das notícias tem vindo a dissipar-se. “É ruído. Não digo que não tenha o seu impacto, mas deixa de ter à medida que vamos estando cá. Não tenho sentido essa insegurança por parte das pessoas que vêm de fora. As que cá estão já desligaram”, afirmou. Fonte do banco acrescentou, depois, que a instituição está “sensível ao sentimento demonstrado” pelos colaboradores no inquérito e que a transformação do Montepio prevê várias políticas dirigidas aos trabalhadores que deverão ter impacto na sua satisfação. E reforçou que as notícias “não tiveram qualquer impacto nas candidaturas de trainees” – que ultrapassaram as 800 num mês. “Estamos a implementar um profundo plano de transformação, que precisa destes millennials,” acrescentou.
Irreverência e ar fresco
Numa casa onde, em 2018, cerca de 80% dos trabalhadores tinham 40 anos ou mais, o gap geracional revela-se ao primeiro contacto. Mas os trainees com que a EXAME falou asseguram que a diferença de idades não foi uma barreira à integração. “A primeira perceção que têm é a de que vimos cá para os substituir. Na verdade, complementamos, trazemos novas maneiras de trabalhar e de pensar que são úteis ao trabalho de todos”, defende Marta Barros, da direção de Contabilidade e Reporte Financeiro.
Entradas como a de Marta, hoje com 24 anos, não só ajudaram a baixar a média de idades como acrescentaram abrangência de conhecimentos, apetência pelas tecnologias digitais e mais vontade de arriscar. Em contrapartida, eles esperam ter a oportunidade de criar impacto. “Trazem irreverência, uma lufada de ar fresco, põem em causa os processos, no bom sentido. Questionam, e isso obriga-nos a pensar se estamos a fazer da forma correta”, define Fernando Amaro, diretor da área da Economia Social.
Na era da sobreposição do espaço e do tempo pessoal e profissional, trazem o chip da flexibilidade. “Desde que apresentemos o nosso trabalho, não interessa se começamos às sete da manhã, enquanto estamos a tomar o pequeno-almoço, ou se acabamos às 11 da noite, depois do ginásio. E isso dá-nos liberdade para fazer a gestão do tempo”, defende Júlio. E a vontade de fazer é tal que até veem estímulo em não haver dois dias iguais. “Quando entramos para um emprego, queremos logo pôr tudo em prática”, acrescenta Ana Rita. “Não é possível fazer de imediato, mas ao fim de dois anos conseguimos implementar muitas coisas que no início tínhamos em mente.”
E as marcas vão ficando na organização. Andreia diz que a sua tem passado por simplificar e ajudar a mudar a forma como as coisas são feitas há anos; Ana Rita mostra-se satisfeita por estarem a ser usadas as ferramentas de serviços sociais para colaboradores e famílias em cujo desenho se envolveu; o contributo de Marta passa por ser entendida como problem solver na estrutura, e Júlio sublinha o orgulho pela visibilidade pública de alguns dos projetos em que participa – que permitem que as chefias “brilhem”.
Em busca de competências “ecléticas”
Fernando Amaro vê virtudes no modelo de recrutamento adotado neste programa, que vai além das convencionais entrevistas e que até requer pitches em vídeo (ver caixa Nova fornada de trainees). “É um percurso muito diferente do que será uma candidatura espontânea ou de iniciativa da empresa, porque aí requer-se um determinado perfil. É uma call ao mercado para jovens que sintam a atratividade, neste caso, pela marca Montepio.”
Apesar dos desafios e transformações que atravessa, o setor financeiro continua a ter algumas condições acrescidas de atratividade, em itens como férias e benesses sociais, sustenta Sandra Brito Pereira. A responsável assegura que a remuneração dos trainees está dentro da média do mercado, entre balizas de 750 a 1 300 euros por mês. Aquando da integração, é expectável que passem a auferir “um bocadinho acima”. A ideia é dar igualdade de oportunidades de carreira nos primeiros três a cinco anos. A partir daí, vale a meritocracia.
A intenção de Sandra Brito Pereira é que, a partir desta edição, a iniciativa passe a ter caráter anual. “Precisamos muito [de mão de obra mais jovem]. Temos claramente de refrescar isto”, assume a diretora. A edição que arranca em fevereiro ganhou com o conhecimento e com a experiência do programa inaugural de 2017. Procuram-se agora competências mais amplas e formações mais diversificadas, além da Economia e Gestão, incluindo Design, conceptualização e gestão de projetos, Matemática (muito requisitada para analytics), Psicologia ou Filosofia. Os novos trainees serão monitorizados e terão atividades específicas todos os meses, e pretende-se criar um espírito de alumni, com a mentoria dos colegas que entraram na primeira vaga.
E estes deixam, desde já, os seus conselhos a quem se prepara para entrar no Montepio, um sítio que consideram ser “ótimo para iniciar a carreira”: acreditar em si e no seu trabalho; ter paciência, manter a mente aberta e não desistir; não mudar a sua natureza (afinal, foi por causa dela que foram selecionados); e não ter medo de dizer o que pensam num banco a precisar de sangue novo. “É assim… A instituição tem 175 anos, mas as pessoas não!”, sublinha Marta Barros, arrancando risos dos colegas.
Nova fornada de trainees
Os 20 recém-licenciados que esta segunda-feira entram no Banco Montepio vão ficar os três primeiros meses nos serviços centrais (em áreas como Marketing, Recursos Humanos, Comunicação, Auditoria, área Financeira ou Risco), passando a estar colocados nos quatro meses seguintes na área comercial . Nos restantes cinco meses, regressam aos serviços centrais, num percurso que termina no início de 2021.
A segunda vaga do programa de trainees do Montepio arrancou em 13 novembro com o objetivo de recrutar recém-licenciados para um período de 12 meses com rotatividade de experiências em várias áreas do banco, como marketing, recursos humanos, comunicação, auditoria, risco, financeira ou comercial. Concorreram mais de 1.200 recém-licenciados.
Os candidatos foram desafiados a enviar um pitch em vídeo, no qual abordam os seus interesses, percurso académico e expectativas profissionais. Depois, a instituição realizou os assessment days com os selecionados destinados a um primeiro contacto e nos quais são dadas a conhecer as áreas e as tarefas a desempenhar. Seguiram-se entrevistas finais e dias depois, ficaram a saber se foram escolhidos.
O primeiro programa, iniciado em setembro de 2017, selecionou 45 jovens universitários, entre mais de 1 500 candidatos, e integrou 35 deles. A maioria (na ordem dos 60%) ficou colocada nos serviços centrais e os restantes 40% nas agências do banco.