O que têm em comum a primeira missão espacial de circum-navegação da Lua, a viagem de um Papa às Nações Unidas, ou a criação da Apple por Steve Jobs? Adivinhou: o Mateus Rosé. E se hoje em dia gosta de beber um rosé bem fresco num dia quente de verão, saiba que foi também o Mateus quem lançou esta moda de beber rosé no mundo. E não o fez apenas uma vez, repetiu o feito anos mais tarde, já neste século, quando a Sogrape, casa-mãe do Mateus, contratou uma empresa publicitária britânica para dar um push no setor, algo adormecido. Desde então, a popularidade dos rosés disparou em flecha – e continua a crescer.
Num país com sérias dificuldades em criar marcas com alcance mundial, o Mateus é definitivamente um case study. Atualmente, a Sogrape é a maior empresa nacional do setor, com uma faturação a ultrapassar os 200 milhões de euros em 2017, e um player com alguma dimensão internacional, presente em mais de 120 países e produzindo vinho nalguns deles, caso da Argentina, Chile, Nova Zelândia e Espanha. Ainda recentemente assumiu uma posição maioritária no maior distribuidor de vinhos em Inglaterra e, por mais de uma vez, foi reconhecida como a melhor empresa vínica do mundo.
Em Portugal, está em todo o lado (ou quase) e tem marcas nos vinhos verdes (Gazela, Azevedo), no Douro (Casa Ferreirinha), vinhos do Porto (Sandeman, Offley), Dão (Grão Vasco, Quinta dos Carvalhais), Bairrada (Mateus), Alentejo (Herdade do Peso) e agora até Lisboa, com a aquisição da Quinta da Romeira. É uma empresa familiar, com a terceira geração aos comandos do barco, mas há 77 anos a Sogrape era apenas uma ideia na cabeça de um homem: Fernando Van Zeller Guedes.
“Mateus é passado, presente e futuro. Estando na base de tudo, foi a marca que trouxe a Sogrape até aqui e que promete levar-nos ainda mais longe”, conta Fernando Cunha Guedes, o atual presidente, que continua espantado com a “enorme coragem e ousadia do meu avô em lançar um vinho assente num conceito tão diferenciador em pleno contexto de Segunda Guerra Mundial”. E, reconheça-se, a ideia era completamente peregrina. Foi necessária muita transpiração e bastante inspiração para promover o Mateus, duas características que não faltavam ao fundador. Provou-o quando enviou duas garrafas de Mateus a todos os embaixadores de Portugal pelo mundo, acompanhadas de um bilhete em que lhes pedia que provassem o vinho e, caso gostassem, o favor de entregarem a segunda garrafa a uma personalidade local que pudesse ajudar a implantar o Mateus no país. Abriu uma rede de contactos enorme e visitou-os a todos. “O meu avô dizia sempre ‘primeiro fazemos amigos, depois fazemos negócios’, e assim foi construindo o sucesso de Mateus”, recorda o neto.
Em 1961, patrocinou Ascot, as corridas de cavalos mais célebres da nobreza inglesa, entregando mesmo o prémio ao vencedor de uma das provas. Não se sabe se foi por isso, mas a Rainha Isabel II, assídua em Ascot, viria a pedir um Mateus numa festa privada no Hotel Savoy, em Londres. O hotel não tinha o vinho, mas rapidamente providenciaram uma garrafa e, desde então, que nunca mais faltou Mateus na garrafeira do Savoy. Calouste Sarkis Gulbenkian não o dispensava nos seus jantares com as mais belas atrizes de revista, e Elton John cantou-o em Social Disease: “I get juiced on Mateus and just hang loose.” As fotos de Jimi Hendrix a beber pela garrafa, ou Amália Rodrigues a oferecer o copo para que o encham de Mateus, também não fizeram mal nenhum à popularidade do vinho.
“Houston we have a problem: there’s no Mateus”
Ícone da pop, o alcance do Mateus era de tal ordem que chegava ao espaço. Frank Borman, o primeiro astronauta a circum-navegar a Lua, comunica, ainda a bordo da Apollo 8, com a Mission Control em Houston só para informar que desejava ter ali uma garrafa de Mateus para celebrar a ocasião. Sabemos que seguia a bordo do avião que levou Paulo VI a Nova Iorque, para a primeira visita de um Papa às Nações Unidas – e que este o bebeu durante o voo. E quando Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Samora Machel brindaram ao derrube do colonialismo, na cimeira de Lagos, na Nigéria, fizeram-no com Mateus Rosé. Em 1974, no seguimento da Revolução dos Cravos, os norte-americanos recearam pela evolução da crise, mas a primeira medida que tomaram foi açambarcar mais de 20 milhões de garrafas de Mateus para os EUA. No final dos anos 1970, a popularidade era tal que se podia medir o peso do Mateus não para a Sogrape, mas para a economia nacional: representava 40% de todas as exportações de vinho de mesa do País. Ainda hoje esse valor é impressionante, rondando os 13%, e num setor que cresceu significativamente.
O primeiro astronauta a circum-navegar a Lua informou Houston que uma garrafa de Mateus para celebrar a ocasião
Algumas dessas exportações terão chegado a Steve Jobs, porque há uma foto dele, ao telefone, preparando o lançamento da Apple e do primeiro Macintosh com uma garrafa de Mateus ao fundo. Músicos, políticos, inventores, realeza, Papas e milhões de cidadãos anónimos em todos os países fizeram do Mateus um grande vinho mundial, mesmo que durante anos fosse desmerecido no palco interno. O perfil, leve e fresco, a frutos vermelhos e com um toque ligeiramente efervescente, apelava muito pouco ao paladar nacional, que buscava quase exclusivamente tintos robustos. Mas os paladares mudam e as novas gerações levaram já ao aumento da presença do vinho no nosso país, ao ponto de nos afirmarmos como um dos motores de crescimento do Mateus, ficando com 17% da produção, sensivelmente o mesmo que Inglaterra.
As vendas globais ultrapassam agora as 20 milhões de unidades anuais, e, em 2018, representaram 18% das vendas em valor do grupo, prosseguindo uma rota de crescimento que começou na última década, segundo dados da Sogrape. É nesse contexto que se explica a mais recente evolução do Mateus: a icónica garrafa levou um facelift e foi afunilada até ficar algures entre o cantil original e uma garrafa de champanhe. Estética, mas importante, com a ideia de atrair públicos mais sofisticados e “crescer 10% ao ano para os próximos cinco anos”, aponta Fernando Guedes. “Tanto em mercados onde já temos uma base de consumidores muito alargada, como Portugal, França, Alemanha ou Itália, como também em mercados emergentes nesta categoria, como países africanos, na Europa do Leste ou na China.”
Artigo publicado em agosto na edição 424 da EXAME