Sabemos mais sobre a superfície da Lua do que sobre o fundo do mar, já o escrevemos aqui, mas Ghislain Bardout acrescenta que “90% dos nossos oceanos continuam por explorar”. Noventa por cento! Há muito ainda por descobrir neste Planeta Azul, e é esse caminho que o francês está a desbravar.
Ghislain vive praticamente no mar, num veleiro oceanográfico, junto com a mulher, Emmanuelle Bardout, com quem partilha a aventura, os filhos Tom e Robin, de 4 e 8 anos, uma cadela husky chamada Kayak e uma equipa de mais oito cientistas.
“Os humanos serão sempre exploradores”, avança Ghislain, que já mergulhou inclusivamente debaixo do Círculo Polar Ártico, no extremo mais agreste e inóspito do planeta. A grande diferença é que, “hoje em dia, as explorações devem servir um objetivo maior, a conservação ambiental”.
Para os Bardout, isso implica alterar a forma como se explora o mar: “Antigamente, o objetivo era mergulhar cada vez mais fundo, mas hoje o desafio reside na capacidade de manter a imersão por longos períodos de tempo, com o objetivo de estudar e compreender os oceanos e a vida que aqui vive.” Para perceber melhor a ideia, imaginemos um explorador numa selva: quando chega vai alterar o comportamento dos animais e, apenas passadas algumas horas, ou dias, será possível observar esse habitat como realmente é. Debaixo de água acontece o mesmo.
Para o conseguirem, os Bardout desenvolveram uma nova cápsula que permite ficar submerso por 72 horas seguidas, servindo também de “acampamento-base” para realizar mergulhos com maior profundidade. Lá em baixo, respiram uma mistura de gazes e oxigénio, que permite reduzir brutalmente o tempo de descompressão, mas obriga-os a falar com aquela voz de quem inspirou um balão. Estas cápsulas serão um dos fatores decisivos para o sucesso da próxima expedição, a quarta: Under the Pole IV – Deep Life, que preparam já sob os auspícios da Década dos Oceanos das Nações Unidas. O objetivo será explorar as florestas marinhas na zona mesofótica, ou seja, entre os 30 e os 200 metros de profundidade, e o papel que desempenham nos ecossistemas marinhos. Viajarão uma vez mais até ao Círculo Polar, a Svalbard, em meados de março do próximo ano, e ali ficarão até junho ou julho. Regressarão depois à Bretanha, para uma escala técnica (e merecidas férias) antes de partirem de novo em setembro, desta vez para as Canárias, e dali diretamente para as Caraíbas, provavelmente em setembro, onde permanecerão até maio de 2023.
A união dos dois Bardout foi um casamento feito no céu − ou pelo menos lá em cima, no Polo Norte, onde se conheceram numa expedição científica em 2007. Ela era a comandante do navio, ele o mergulhador. Foi a paixão pela conservação que os juntou e, pouco depois, estavam a planear uma nova expedição ao Polo. Foram três anos de dificuldades e perseverança, mas, uma vez conseguido o apoio da Rolex, puderam partir em 2010. A equipa (de oito pessoas mais a Kayak) percorreu o Polo a pé, até ao ponto cardeal, realizando os primeiros mergulhos em zonas absolutamente inexploradas, e nas condições climatéricas mais difíceis, como recorda Ghislain: “O equipamento de mergulho não tinha nenhum defeito, mas as condições eram tão más que o material simplesmente não aguentava.” Ainda assim, a missão foi um sucesso e conseguiram realizar 51 mergulhos e fotografar e filmar, pela primeira vez, esse mundo maravilhoso debaixo do gelo. Essas imagens inéditas percorreram e encantaram o resto do mundo, mas a missão serviu também para perceber como “a maior parte do degelo ocorre debaixo de água, não em cima, para onde toda a gente olha”.
Regressariam quatro anos mais tarde, para continuar o trabalho de avaliação dos bancos de gelo polar e a biodiversidade da zona. Nesta Under the Pole II conseguiram realizar 400 mergulhos, até que o degelo precoce os obrigou a encurtar a missão, “os bancos estão a derreter mesmo à nossa frente, e não estão a recuperar”, avisa.
A Under the Pole III foi mais longa, começando em 2017 e terminando apenas este ano. Desta vez circum-navegaram o globo, do Polo Norte ao Polo Sul, entre o Pacífico e o Atlântico, por águas tantas vezes navegadas, mas nem por isso mais conhecidas. Mergulharam em profundidade, e descobriram uma riqueza biológica incrível, trazendo inclusivamente amostras de coral recolhidas a 172 metros de profundidade, onde antes não se admitia como possível a sua existência. Descobriram, ainda, que entre os 40 e os 60 metros existe uma maior biodiversidade de corais do que até aos 40 metros. Algo que a comunidade científica também desconhecia. São cerca de 60% dos corais, estimam, por oposição aos 25% que se pensava. Uma descoberta fundamental e que nos deve encher de esperança, pois estes corais profundos poderão ser utilizados para replantar os recifes à superfície. O que, se teme, venha mesmo a ser necessário.