Todos os anos perde-se qualquer coisa como 640 mil toneladas de redes e armadilhas utilizadas nas artes de pesca. Uma consequência (quase) inevitável da atividade e um dos mais graves problemas que os oceanos enfrentam, causando a morte de milhares de tartarugas, golfinhos, tubarões e muitas outras espécies de peixes e mamíferos marinhos. Com o tempo, essas redes acabam por se decompor, dando origem aos microplásticos.
Para alimentar uma tempestade já de si perfeita, descobriu-se agora que ainda “absorvem os outros contaminantes que existem na água, mas, como não criam ligações químicas fortes entre eles, podem, a qualquer momento, libertar todos esses poluentes acumulados de volta ao ambiente”, revela Marisa Almeida, investigadora do CIIMAR, Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto.
No projeto NetTag procura-se uma solução inovadora para encontrar as muitas redes de pesca perdidas no mar que se vão decompor e dar origem a microplásticos
Os plásticos funcionam como verdadeiros “hotspots” de contaminação, mas “exatamente até que ponto é o que está a ser avaliado no projeto NetTag”, cujo elemento fundamental será uma solução inovadora para encontrar as redes perdidas no mar. Trata-se de um sinalizador acústico que apresenta inúmeras vantagens relativamente às preexistentes: “Algumas redes têm um GPS acoplado. O problema é que esse sinal só funciona à superfície, ao contrário desta tecnologia acústica, que pode ser captada a grandes distâncias, mesmo no fundo do mar.” E por uma fração do preço.
“O projeto já nasceu em parceria com os pescadores”, explica a coordenadora. Isto porque “eles perdem as redes, mas perdem também muito tempo a tentar recuperá-las, e muito dinheiro com isso, pois algumas são bastante dispendiosas. Existe a ideia de que os pescadores são os principais culpados pela poluição, mas é preciso desconstruir esta ideia”, acrescenta.
De facto, o NetTag reúne um consórcio muito diversificado de universidades europeias, como a de Newcastle – que está a desenvolver os sensores –, Santiago de Compostela e Aveiro, mais dois institutos de investigação, o CIIMAR e o INESC TEC, também no Porto – que está a desenvolver robôs submarinos que poderão, depois, recuperar as redes no mar. Além disso, engloba uma das maiores multinacionais de produção de redes de pesca, a Euronete, e duas associações de pescadores, uma de Vigo e outra da Póvoa de Varzim. O input destes agentes económicos tem sido fundamental em todo o processo, porque o objetivo final será sempre criar um “objeto de real valor e aplicação prática”. Foi, aliás, com base nas recomendações dos pescadores que os sensores emitem numa frequência apenas acessível ao dono da rede, não só para que as outras embarcações não possam apanhar a rede mas também “para não ficarem a conhecer os locais de pesca”. O segredo é, afinal, a alma do negócio.
Marisa Almeida entrou no CIIMAR logo após concluir o doutoramento, em 2005, e ao longo da sua carreira tem procurado encontrar soluções na Natureza para a poluição causada pelos humanos. “Já chega de sermos negativos. As coisas estão mal, mas repetir isso não basta. É preciso propor soluções.” As suas passam, sobretudo, pelas chamadas bioreparação e fitorremediação, processos que utilizam as plantas como agentes de purificação dos ambientes contaminados, aos quais tem dedicado grande parte da sua pesquisa. Foi isso que a trouxe para o combate aos plásticos e microplásticos marinhos e, agora, à liderança deste projeto internacional e bastante eclético, sobre o qual salienta a “facilidade com que todos têm trabalhado em conjunto”. As suas maiores dores de cabeça, de resto, vieram de problemas externos, como o Brexit e o financiamento do projeto por parte da União Europeia. “Felizmente, ficou tudo igual.” Mas quando já pensava que poderia respirar de alívio, veio a pandemia, que “atrasou todo o trabalho de campo e as ações com os pescadores”.
No entanto, a luta continua. “Está a ser estudada a utilização dos sensores por grupos que procuram limpar o mar, que, ao descobrirem um hotspot, podem sinalizar a zona para, mais tarde, regressar e recolher o lixo.” Afinal, todas as ajudas contam e “todos podemos ajudar o ambiente”.
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