Viver com doença inflamatória intestinal

Viver com doença inflamatória intestinal

Durante seis meses, José Farinha teve dores de barriga todos os dias. Na altura, o músico de 21 anos começou a emagrecer, sem que os médicos conseguissem perceber o que lhe estava a acontecer. “Consultei vários especialistas e recorri várias vezes às urgências”, recorda José Farinha, contando que, ao fim de várias tentativas, “teve sorte” e foi encaminhado para um gastrenterologista, no hospital de Évora. “O meu estado era tão grave que fiquei internado três meses”, diz, revelando que, só ao fim de 60 dias, os especialistas puseram a hipótese de se tratar de uma doença inflamatória do intestino.

“Foi difícil chegar ao diagnóstico”, constata o músico que, nessa fase em que esteve hospitalizado, foi submetido a duas cirurgias para retirar uma estenose [um estreitamento] de 40 cm, no intestino delgado. “A Doença de Crohn é muito semelhante a tantas outras do aparelho gastrointestinal. Mesmo tendo feito biópsias, colonoscopias, endoscopias, TAC e outros exames, só na cirurgia os médicos puderam confirmar o diagnóstico”, afirma o músico.

Nos primeiros tempos, José Farinha ainda pensou que tomando “dois ou três comprimidos por dia”, poderia viver como dantes, com esta doença crónica. “Enganei-me redondamente. O Crohn começou a dar os primeiros sinais sérios, quando passei a ter diarreias repentinas e dores articulares”, recorda o professor de música que, com o tempo, percebeu que teria de se adaptar. Durante anos, viveu permanentemente cansado e teve de se habituar a correr para a casa de banho, mais próxima, sem aviso prévio.

Tal como José Farinha, em Portugal 25 mil pessoas sofrem de doença inflamatória intestinal, cujas formas mais comuns são a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa. Segundo o gastrenterologista Francisco Portela, são patologias com “um impacto significativo” na vida dos doentes. “São doenças crónicas que surgem numa idade jovem, em que se espera das pessoas maior produtividade”, diz o médico, explicando que, além das manifestações intestinais e extraintestinais, como complicações oculares e cutâneas e dores articulares, estas patologias têm também consequências psicológicas, originando ansiedade e, em alguns casos, depressão.

A deteção da doença e a chegada dos biológicos
Ainda que em muitos casos, como no de José Farinha, o diagnóstico tarde em chegar, é importante detetar atempadamente a doença, sublinha Francisco Portela. “Alguns estudos mostram que o atraso no diagnóstico se traduz em mais complicações, sobretudo na Doença de Crohn”, considera o médico, que defende a relevância de congregar várias especialidades, como a cirurgia, a nutrição ou a imagiologia, no tratamento destes doentes. “Uma realidade que em Portugal está ainda pouco organizada deste modo”, constata o gastrenterologista.

Como adianta o especialista, a maioria dos doentes são acompanhados em consultas externas específicas para a doença inflamatória intestinal. “Outros são seguidos em hospital de dia”, acrescenta Francisco Portela, advogando que a junção de várias áreas na abordagem terapêutica “contribui para o melhor tratamento possível”.

A par dos medicamentos e do acompanhamento por parte de uma equipa de gastrenterologistas, José Farinha, diagnosticado em 1995, foi desenvolvendo um conjunto de estratégias para lidar com a doença. “Nunca saio de casa sem lenços de papel e sem medicação SOS. No meu carro existe sempre roupa lavada, caso seja preciso mudar”, conta o professor de guitarra clássica, hoje com 48 anos, que já deixou plateias à espera, para um concerto, por estar na casa de banho.

A patologia também transformou as suas deslocações diárias. “Os meus percursos são sempre pensados, porque tenho de saber onde há casas de banho. Ando mais vezes de carro, porque se tiver uma dor de barriga fulminante acontece no carro e não na rua”, relata, dizendo que só a partir de 2007, mais de 10 anos depois do diagnóstico, começou a ter alguma qualidade de vida. “Nessa altura, a minha médica falou-me sobre uns medicamentos novos, os chamados biológicos de última geração”, conta o doente, que “depois de um ano à espera do parecer da comissão terapêutica do hospital”, começou a tomar um fármaco biológico.

Hélder Mota Filipe, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos e professor universitário, explica que o surgimento destes fármacos, “que atuam em determinadas vias de resposta inflamatória” representou “um avanço significativo na abordagem terapêutica”. Em muitos casos, foi possível controlar melhor os sintomas dos doentes e garantir maior equilíbrio na sua vida quotidiana.

Informar os doentes
Apesar do seu carácter inovador, Hélder Mota Filipe considera que o acesso a estes medicamentos, que é feito através das farmácias hospitalares, “acaba por ser uma barreira para os doentes”. “Se em vez de se deslocarem à farmácia hospitalar, as pessoas pudessem recorrer às farmácias de proximidade, evitando, em muitos casos, faltas ao trabalho, estaríamos a contribuir muito mais para a sua qualidade de vida”, considera o docente da Faculdade de Farmácia, da Universidade de Lisboa. “Seria também uma maneira de poupar recursos.”

A eficácia dos medicamentos, porém, não depende apenas da sua toma, alerta o especialista. “É preciso usá-los nas condições e doses adequadas: respeitar os horários das tomas, saber se se tomam junto à refeição, garantir que o doente não toma outros fármacos que possam estar contraindicados, entre outros”, declara Hélder Mota Filipe, frisando assim a importância de se fazer o tratamento certo, no momento certo.

“É fundamental que o doente esteja informado e que consiga, por exemplo, perceber se tem sintomas que indicam que a medicação não está a fazer efeito. Só assim é possível minimizar os efeitos secundários e maximizar as mais-valias”, acrescenta o bastonário, dizendo que há atualmente um conjunto significativo de medicamentos em ensaios clínicos. “Temos, ainda, um conjunto de doentes que não respondem aos tratamentos e que vão tomando vários medicamentos sem que estes surtam o efeito desejado. É preciso dar-lhes resposta.”

Medicina de precisão: a tendência dos próximos anos
O tratamento da doença inflamatória intestinal tende a ser cada vez mais personalizado, consideraHélder Mota Filipe, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos. “Recorre-se cada vez mais à medicina de precisão. Com a ajuda de testes genéticos e moleculares que permitem recolher informação sobre o doente e a doença, é possível perceber qual o tratamento mais indicado para cada caso”, diz o especialista, explicando que esta abordagem substitui a prescrição de medicamentos por tentativa erro, comum atualmente.

Conheça a fundo a DOENÇA INFLAMATÓRIA DO INTESTINO: 40 dúvidas respondidas e 5 vídeos essenciais

CAPA DA EDIÇÃO

Mais na Visão

Mais Notícias

Moda:

Moda: "Look" festivaleiro

CARAS Decoração: 10 ideias para transformar o velho em novo

CARAS Decoração: 10 ideias para transformar o velho em novo

Antecipar o futuro: a visão da WTW sobre os riscos emergentes

Antecipar o futuro: a visão da WTW sobre os riscos emergentes

Carlos Areia faz 80 anos! Veja 80 fotos do ator

Carlos Areia faz 80 anos! Veja 80 fotos do ator

7 looks para jantares de Natal

7 looks para jantares de Natal

Pode a Inteligência Artificial curar o cancro?

Pode a Inteligência Artificial curar o cancro?

Cocktail tóxico encontrado em plástico reciclado

Cocktail tóxico encontrado em plástico reciclado

Fotografia: Os tigres de Maria da Luz

Fotografia: Os tigres de Maria da Luz

Tesla entregou menos carros no segundo trimestre do ano

Tesla entregou menos carros no segundo trimestre do ano

Do ponto A ao G, eis o mapa de prazer da mulher

Do ponto A ao G, eis o mapa de prazer da mulher

O futuro da energia é agora

O futuro da energia é agora

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1708

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1708

Carregamentos na rede Mobi.E passam pela primeira vez os 700 mil num mês

Carregamentos na rede Mobi.E passam pela primeira vez os 700 mil num mês

Portugália Belém reabre renovada em ano de centenário

Portugália Belém reabre renovada em ano de centenário

Samsung vai lançar smartphone dobrável tríptico até final do ano

Samsung vai lançar smartphone dobrável tríptico até final do ano

Ainda não sabe o que oferecer no Natal? Veja a lista de 50 presentes originais até 20 euros

Ainda não sabe o que oferecer no Natal? Veja a lista de 50 presentes originais até 20 euros

Stella McCartney: designer distinguida na Nat Gala

Stella McCartney: designer distinguida na Nat Gala

Investigadores conseguem novas

Investigadores conseguem novas "receitas" para reprogramar células que podem ajudar a combater o cancro

Oficinas de verão onde a criatividade não tira férias

Oficinas de verão onde a criatividade não tira férias

Quis Saber Quem Sou: Será que

Quis Saber Quem Sou: Será que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?"

Deus, intuição e Rock and Roll

Deus, intuição e Rock and Roll

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1709

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1709

Bárbara Branco e José Condessa em cenas eróticas em

Bárbara Branco e José Condessa em cenas eróticas em "O Crime do Padre Amaro"

Tudo isto é cinema

Tudo isto é cinema

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

Dia da Criança: 5 sugestões para te divertires

Dia da Criança: 5 sugestões para te divertires

Infeções respiratórias como Covid ou a gripe podem

Infeções respiratórias como Covid ou a gripe podem "acordar" células cancerígenas adormecidas nos pulmões

Cosentino inaugura o Cosentino City Porto e reforça a sua presença em Portugal

Cosentino inaugura o Cosentino City Porto e reforça a sua presença em Portugal

As mudanças físicas de Letizia Ortiz

As mudanças físicas de Letizia Ortiz

Margherita Missoni: “A moda tem de  acompanhar o ritmo das mulheres”

Margherita Missoni: “A moda tem de  acompanhar o ritmo das mulheres”

Vencedores e vencidos do 25 de Abril na VISÃO História

Vencedores e vencidos do 25 de Abril na VISÃO História

Cortes orçamentais de Trump podem levar a mais de 2000 despedimentos na NASA

Cortes orçamentais de Trump podem levar a mais de 2000 despedimentos na NASA

25 peças para receber a primavera em casa

25 peças para receber a primavera em casa

Maria João Bastos, Maya Booth, Margarida Vila-Nova e Madalena Brandão celebram 20 anos de amizade na Guiné-Bissau

Maria João Bastos, Maya Booth, Margarida Vila-Nova e Madalena Brandão celebram 20 anos de amizade na Guiné-Bissau

Natália Nunes: “Os reformados estão a recorrer a créditos pessoais para poderem pagar a renda”

Natália Nunes: “Os reformados estão a recorrer a créditos pessoais para poderem pagar a renda”

Guia de essenciais de viagem para a sua pele

Guia de essenciais de viagem para a sua pele

Parabéns, bicharada!

Parabéns, bicharada!

Ralis de regularidade: das apps gratuitas às sondas, conheça a tecnologia que pode usar para ser competitivo

Ralis de regularidade: das apps gratuitas às sondas, conheça a tecnologia que pode usar para ser competitivo

O que os cientistas descobriram ao

O que os cientistas descobriram ao "ressuscitar" o vírus da gripe espanhola

Microsoft revela poupanças de 500 milhões com Inteligência Artificial, depois de despedir nove mil

Microsoft revela poupanças de 500 milhões com Inteligência Artificial, depois de despedir nove mil

Um século de propaganda na VISÃO História

Um século de propaganda na VISÃO História

100 presentes de Natal para Homem

100 presentes de Natal para Homem

Vasco Futscher - O mundo inteiro em cada forma

Vasco Futscher - O mundo inteiro em cada forma

“Uma mãe-chimpanzé educa os filhos tal como uma mãe humana devia educar os seus”. Os ensinamentos de Jane Goodall numa entrevista a VISÃO

“Uma mãe-chimpanzé educa os filhos tal como uma mãe humana devia educar os seus”. Os ensinamentos de Jane Goodall numa entrevista a VISÃO

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1710

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1710

Reportagem especial: Viver num quarto

Reportagem especial: Viver num quarto

Juntos há 14 anos, Ana Mesquita e João Gil casam-se em cerimónia invulgar

Juntos há 14 anos, Ana Mesquita e João Gil casam-se em cerimónia invulgar

As fotografias do casamento de Carminho e Diogo Clemente

As fotografias do casamento de Carminho e Diogo Clemente