Seguida de uma manhã marcada pela troca de ideias, partilha de experiências e discussão de soluções para a atual situação do planeta Terra face às alterações climáticas, a tarde do primeiro dia das Conferências do Estoril foi dedicada às pessoas, reunindo líderes de todo o mundo para debater os valores da individualidade e dando mote a uma viagem introspetiva que avaliou conceitos como a inclusão, o respeito pelo outro e a importância da igualdade na diferença.
Juntamente com tópicos como o da pobreza ou da saúde global, o evento do qual a VISÃO é media partner, abordou problemáticas ligadas à saúde mental, cuja relevância permanece inquestionável quando não só mais de 700 mil pessoas cometem suicídio numa base diária como este se assume enquanto a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 19 anos, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde.
Foi com o peso destes números que Lee Crockford, ativista para o impacto social especializado em saúde mental, deu início à sua apresentação “Tu, O Futuro da Saúde Mental” no palco das Conferências do Estoril. Premiado várias vezes pelo seu trabalho no tópico do bem-estar mental, Crockford começou o seu discurso por admitir que pode ser difícil definir o conceito de saúde mental, ainda que seja esse o primeiro passo para estarmos no seu controlo. “Se eu perguntasse a toda a gente nesta sala (como definiria a saúde-mental), provavelmente teria cerca de 100 a 500 respostas diferentes”, diz o ativista australiano. “O mundo do bem-estar mental é, na verdade, muito diverso, é muito complexo”, admite.
Fazendo uma ponte entre o tópico do planeta, abordado na manhã de quinta-feira, Crockford procurou explicar como existem várias dimensões no que toca à saúde e ao bem-estar mental. “Esta manhã estávamos a falar muito sobre o clima, por isso vou usar o ecossistema global como uma metáfora. Há três aspetos principais no que toca ao ecossistema global, se me permitem ser muito redutor por um momento. O primeiro é a geografia: em que local do mundo estamos? Se estivermos no deserto, o mas provável é que esteja seco, se estivermos nos Himalaias, provavelmente estará muito mais frio. O segundo é o tempo, que conhecemos como algo que vai e vem: está a chover? Está sol? E o último que temos é o clima, um estado de longo prazo”, explica o ativista.
Mas como está qualquer um destes conceitos ligado à saúde mental? Num exercício conjunto, Crockford convida o público a colocar a palavra “mental” à frente dos termos referidos, apresentando, assim, três novas noções: geografia mental, tempo mental e clima mental.
Tal como na geografia, a geografia mental exige que questionemos em que espaço mental nos encontramos e se esse espaço é ou não mais propício a uma dada condição mental. Os Himalaias, por exemplo, são propícios a ter uma atmosfera marcada pelo frio. “És alguém que é naturalmente mais propício a ter ansiedade?”, questiona o ativista social. Já o tempo mental refere-se a algo mais passageiro: tal como é possível estar sol num dia e chuva no noutro, também é possível que estejamos mais felizes num dado dia e tristes no outro. Finalmente, segue-se o clima mental que, tal como o clima atmosférico, se refere a um estado mais duradouro que pode ser influenciado por fatores externos – um local de trabalho stressante, uma situação familiar complicada ou outros.
Criam-se, desta forma, as condições ideais para introduzir um quarto conceito que Crockford nomeia de “ecossistema mental”. “Prefiro usar o termo ecossistema mental em vez do termo bem-estar mental porque acho que, para uma pessoa que não costuma conversar sobre saúde mental, este (termo) pode tornar (as conversas) um pouco limitadas: ou estás saudável do ponto de vista mental ou doente”, explica o ativista. O termo ecossistema mental não só permite perceber melhor os vários níveis da saúde mental, como permite perceber a relação que estabelecem entre si.
Uma vez compreendidas as várias dimensões que se encerram no amplo conceito de saúde mental, Crockford introduz ao público uma outra questão: “O que queres que seja o teu bem-estar mental?”. Depois de um breve momento de debate e murmurinho entre a audiência, o ativista lança a palavra “felicidade”. “Muito frequentemente a resposta é felicidade”, diz. Ainda que reconheça a importância desta emoção, Crockford assegura que é “impossível sermos 100% felizes o tempo inteiro”, pelo que este é geralmente um objetivo irrealista e frustrante de alcançar. “Todas as emoções têm valor. Há uma razão pela qual evoluímos para ter emoções complexas: há razão e paixão e propósito e raiva, pode haver clareza, reflexão e tristeza. Todas estas emoções são realmente importantes”, reforça. Regressando à metáfora da geografia, tempo e clima, “é preciso chuva e é preciso tempestade para que o ecossistema funcione corretamente”.
“Hoje a falar à frente de mais de 2 mil pessoas eu preciso de estar num espaço mental muito diferente daquele com que estava, por exemplo, há dois anos quando recebi uma chamada dos médicos a dizer que a minha mãe estava a lutar pela sua vida e que tinha de me meter imediatamente num avião. É um estado mental muito diferente”, explica, acrescentando: “nessa altura, chorar era exatamente o que era preciso, no dia de hoje provavelmente não”.