“Não me lembro do que disseste no início, portanto, não percebi o que disseste pelo meio, logo, não posso concordar com a tua conclusão”. Esta frase, atribuída ao soberano de Esparta, Cleómanes (séc. III a. C.), depois de ouvir um longo discurso de um embaixador estrangeiro, podia bem definir o impasse gerado pelas negociações em torno do Orçamento do Estado para 2022, cuja votação, na generalidade, agendada para daqui a poucas horas, deverá ditar o chumbo – e o fim definitivo da geringonça. As negociações foram tão longas que nenhum dos parceiros parece lembrar-se do seu início. Pelo meio, os desentendimentos foram tantos, que se tornou um diálogo de surdos. No fim, as conclusões foram tão díspares, que nenhuma das partes pôde concordar com a outra. Aqui chegados, este é o dia em que as vacas deixaram de voar. É verdade que, num golpe de teatro, António Costa pode ainda tentar um Orçamento “limiano” – ou “da espetada”… -, se aceitar a oferta dos deputados do PSD Madeira que, a troco da devida “compensação”, poderiam votar a favor, como sugeriu o presidente do governo regional, Miguel Albuquerque. A isto, teria de juntar-se o voto favorável do PAN e das duas deputadas não inscritas, que teriam de mudar a anunciada abstenção para um voto favorável. Mas o Governo, como o de Guterres, em 2001, ficaria ferido de morte.
Entre as trocas de acusações à esquerda – quem foi mais intransigente – a verdade foi ocultada por uma barreira de mentiras. Mas a questão nunca foi orçamental: ela foi política. O PCP esgotou a paciência. E o Bloco é o escorpião a cavalgar o dorso da rã socialista – e a picá-la no meio do lago.