O mês de dezembro desperta, na nossa sociedade, um sentimento solidário que nem sempre existe no resto do ano. Marcado pelos valores cristãos ou por um simples sentimento altruísta sazonal, a época natalícia é fértil na procura de ações voluntariado, como as compras frenéticas que também são cada vez mais características deste período.
Por vezes perguntam-me o que vou fazer no Natal, qual será a minha atividade de voluntariado ou de solidariedade. Normalmente respondo que vou descansar do resto do ano. Muitas vezes esta minha resposta é mais em tom provocatório do que verdadeiro. Mas, na verdade, o resto do ano conta muito mais do que um dia, embora esse dia tenha um significado especial, é certo. As pessoas ou causas que precisam de nós não ficam em estado de hibernação nos restantes meses e dias. Por outro lado, esta época não deve servir para escoar a nossa alma de sentimentos gerados por algum tipo de obrigação moral ou limpeza espiritual.
“Não há fome que não dê fartura” assim é o caso do voluntariado ou ações solidárias na época natalícia. Em particular no caso das pessoas em situação de sem-abrigo, que passam a estar ao alcance de toda esta “solidariedade sazonal”. As ruas tornam-se sítios de excesso de tudo, mostrando que o consumismo, muito característico dos “natais” de hoje, também transborda para as ruas e para outras situações. E no dia seguinte, tudo volta ao mesmo, ficando os excessos solidários da noite anterior.
Nesta época, as associações de solidariedade social são também inundadas de pedidos de várias pessoas que pretendem ter uma experiência de voluntariado (apenas) no Natal. São pedidos sinceros e altruístas, mas mal seria se as associações bem organizadas, com regularidade de ação e anos de terreno, funcionassem desta forma. Existem já eventos solidários que marcam o Natal neste campo os quais têm já uma tradição e conteúdo de anos. Por isso, não vale a pena fazer mais do mesmo e é melhor ter uma atitude de participação mais anual e sistemática, e não apenas no Natal. E mesmo essa participação anual, que seja ela inovadora e diferente de tudo que já existe e não uma igual ou parecida. Copiar o que já existe, multiplicando ações, é desnecessário e contra produtivo.
Voltando ao Natal e voluntariado, as pessoas e situações não devem ser utilizadas nesta época para apaziguarmos os nossos corações. Parece que queremos estar mais próximos da pobreza na época natalícia para que isso nos leve a um contacto com a solidariedade que nos leve a algum tipo de redenção. Mas a proximidade à solidariedade não pode ser realizada num único dia, pois a solidariedade é um ato constante, de fluxo contínuo como se de uma forma de vida se tratasse. “O voluntariado é muito mais do que um único ato solidário, é uma expressão de cidadania e predisposição para uma participação cooperativa que se for reduzido a uma determinada época ou dia fica profundamente desprezado.”
Mas sim, a verdade é que o Natal custa muito às pessoas que estão em situação de extrema pobreza, que se afastaram da família e de uma vida humanamente rica e confortável. E, por isso, queremos de alguma forma doar um pouco de nós, mesmo que seja apenas num dia. Normalmente, umas das procuras que nos ocorre são as pessoas em situação de sem-abrigo. Esta época e o dia de Natal custa bastante a estas pessoas, seja pelo relembrar de outros natais, seja por sentir de forma mais intensa a sua situação. Mas quando acontece esta injeção de solidariedade momentânea via voluntariado pontual, algumas pessoas até se sentem incomodadas pelo excesso de exposição na noite de Natal.
Assim, é de alguma forma uma invasão de privacidade, caso não sejam pessoas conhecidas com quem, por via de voluntariado regular ao longo do ano, já se tenha contacto. Neste caso será como ir visitar um amigo. O desafio que deixo a todas as pessoas é que façam do voluntariado uma presença constante, seja em que situação for.