Preciso de um conselho. Sou uma mulher ativa e relativamente pacífica e capaz de lidar com contrariedades sem ficar a chorar sobre o leite derramado. Em 39 anos de vida, não há nada de que me tenha arrependido: emigrei, passei por um divórcio, duas mudanças de casa e agora confronto-me com o desemprego. Sei que não acontece só aos outros, que quando se fecha uma porta se abre uma janela e haja fé. Mas nada disto nem conversas de amigos servem para por fim à ruminação que me leva a roer as unhas, a comer bolachas à noite e a ficar sem pregar olho durante algumas horas da noite. “O que falhou?” “Porquê eu, em vez do colega que entrou depois de mim e tinha menos experiência?” enfim, dou comigo, dia e noite, sempre a bater no mesmo. Nada de calmantes nem vitimização, só quero parar de ruminar!
Silenciar as vozes indesejáveis e intrusivas que lhe consomem os dias e as noites, talvez não seja a melhor opção. Quanto mais insistir em controlar o fluxo de pensamentos, maior a probabilidade de aumentar a compulsão para roer as unhas e comer bolachas… É preferível desviar o foco da sua atenção (dos pensamentos incómodos) e dirigi-la para algo que precise ou goste e se envolva a fazer. É certo que, na década de 80, psicólogos adeptos dos modelos estratégicos defendiam o uso do paradoxo e “castigar-se” com as vozes interiores insidiosas, durante um período específico, sempre que eles surgissem à mente.
Hoje, esta abordagem parece estar ultrapassada, face à que promove a aceitação dos pensamentos intrusivos mas… colocando-se no lugar de observador, sem impor ou tentar cessar o que vem à mente e sem fazer julgamentos. Com isto, e algum treino para se manter na situação (neste caso, distrair-se ou fugir não é a meta), é possível que vá começando a ganhar algum distanciamento emocional e a encarar o problema com a cabeça fria. Estas são algumas pistas para lidar com o pensamento intrusivo e o comportamento indesejável.
A avaliar pelo que afirma, “bater no mesmo” tomou-a de surpresa e pode ser um sintoma de um mal-estar que, provavelmente, não vê com bons olhos, porque vivido na primeira pessoa. Quantas vezes se permite ter direito a sentir frustração, fracasso, zanga ou a dor da perda? Talvez tenha atingido a “gota de água” e estes pensamentos possam ter vazão quando o que estiver por baixo deles vier à superfície, idealmente numa relação terapêutica. Se tiver alguma reserva quanto a isso, procure descobrir o que a faz sentir zangada, porque é disso que se trata.
Se, mesmo assim, preferir gerir esta questão sozinha, por agora, procure sair da sua zona de conforto e dedique algum do seu tempo a concentrar-se em algo que lhe dê algum prazer… e não apenas no que deve ser ou fazer. Mesmo que lhe pareça pouco pacífico, descarregar a raiva em algo que não cause dano a terceiros (há quem faça exercício, quem prefira limpar a casa de alto a baixo) pode ser muito útil num primeiro momento. Se o sintoma persistir, ou voltar a tornar-se incontrolável, está na altura de considerar mesmo uma ajuda profissional.
Clara Soares, jornalista, psicóloga e autora do blog Psicologia Clara