Tenho 36 anos, um emprego e uma família tranquila. Sempre fui uma pessoa calma, capaz de lidar com os seus problemas sozinha e de aguentar bem as pressões da vida adulta.
Ultimamente, dei por mim a perder a paciência com os que me são mais próximos, por coisas pequenas. Estou muito bem e, de repente, no meio de uma conversa, começo a corar e a ficar tensa e quem estiver à frente leva com os meus acessos de fúria.
Ando uma pilha de nervos sem saber porquê. Implico com o programa que esta a dar na televisão, com uma notícia de jornal. A última vez que me ligaram, de um call center, para responder a uma sondagem, comecei a insultar o operador e quando desliguei o telefone, percebi que exagerei.
Será uma fase? O que posso fazer para não andar tão irritadiça?
Cristina, Melgaço
Começo por responder com uma pergunta: se sempre resolveu os seus problemas sozinha e aguentou tanto tempo as “pressões”, será que teve alguma vez espaço para experimentar outras emoções que não as “permitidas” no seio familiar? Caso a resposta seja “sim”, é possível que não tenha desenvolvido aquilo a que se chama modulação emocional. Ou seja, expressar raiva, zanga, tristeza, frustração, ou simplesmente mostrar dificuldade ou desconforto a resolver problemas pode ter sido uma etapa que ficou por cumprir no desenvolvimento infantil e na juventude. Nesse caso, é de esperar que, em alguma altura da sua vida, tais emoções possam irromper de forma inesperada, de tanto que ficaram “congeladas”, produzindo o efeito de “panela de pressão”. Como afirma, não parece existir um motivo óbvio ou palpável a que possa atribuir essa resposta de defesa, pelo ataque.
É comum, por trás da zanga, existirem emoções reprimidas. Por exemplo, qualquer sinal de discordância na interacção com outros, especialmente se forem próximos (e dos quais esperamos aprovação ou validação), pode ser interpretada como uma ameaça. Daí os “ataques de fúria” súbitos, sobredimensionados face à situação. A tendência a isolar-se, para não criar problemas e “porque sempre resolveu as coisas sozinha”, pode impedi-la de explorar o que estará a preocupá-la, a criar-lhe um problema que só se resolve através do discurso espontâneo, que pode envolver divergências, desacordo e, eventualmente, desapontar os que lhe são mais queridos.
Aconselho-a a estar atenta ao que desencadeia o estado “pilha de nervos”. Por vezes, aquilo que o outro diz ou faz, por mais insignificante que pareça, racionalmente, pode ser intolerável aos seus olhos, na medida em que assinala um aspeto ou “verdade” que prefere não ver em si, e a deixa com a sensação de descontrolo. Se for alguém que se queixa de alguma coisa e a deixa incomoda, porque não seguir essa pista e queixar-se também? Se o que incomoda é o excesso de diplomacia, porque não “entrar no jogo” e testar a sua, devolvendo essa impressão que está a ter ao outro (exemplo: “a que se deve tanta cortesia?”) Acredite que os outros não se partem por causa disso. Já a Cristina pode ter uma perceção mais fiel do que vai na cabeça do outro e ampliar, aos poucos, por tentativa e erro, o seu repertorio de emoções, sem que isso constitua um ataque perigoso à sua autoridade, segurança e valor pessoal.