“A situação piorou. É uma sucessão de anos maus. 2017, 2019, 2022 e 2023 foram anos maus, motivados pela seca e por outras situações que ainda não se consegue explicar, visto que há um desconhecimento do que acontece com a espécie no mar, em que pode haver mais mortalidade”, disse à agência Lusa Pedro Raposo, diretor do MARE e especialista em peixes anádromos (espécies que, como a lampreia, se reproduzem em água doce, mas que se desenvolvem até à forma adulta no mar).
O investigador salientou que esta não é uma situação exclusiva de Portugal — em Espanha e França também se regista escassez de lampreia -, mas o país conta com a agravante de ser o limite sul de distribuição da espécie.
Se, no passado, a seca e consequente redução do caudal dos rios poderia explicar as quebras da população que sobe os rios, este ano “os caudais não são maus”, mas a situação não melhorou e “tudo leva a crer que possa ser o pior ano” desde que a equipa regista a passagem da lampreia no açude-ponte de Coimbra.
Naquela passagem pelo Mondego, rio onde a pesca de lampreia é uma tradição ancestral, registaram-se apenas 295 espécimes em 2017, 717 em 2019, 1.328 espécimes em 2020, 832 em 2022, e 1.508 em 2023, registos muito distantes dos valores máximos (mais de 20 mil em 2014 e cerca de 11 mil em 2018).
“Se fôssemos coerentes, deveríamos fechar a pesca. A qualquer animal deveria ser dada a oportunidade para se reproduzir, se não daqui a 7 anos [ciclo de vida da lampreia] será ainda pior”, defendeu o diretor do MARE, instituição que colabora com a Câmara de Penacova num colóquio que vai realizar-se no sábado, onde será abordado o declínio da lampreia no território português.
Para Pedro Raposo, é fundamental reduzir ao máximo a mortalidade das lampreias pela pesca, de forma a tentar garantir uma recuperação das suas populações nos rios portugueses.
Segundo o investigador, as entidades públicas precisam de assumir medidas, vincando que todos os anos a sua equipa alerta para o risco de manter a pesca aberta, mas que a preocupação da comunidade científica não surtiu, até ao momento, qualquer efeito.
“O risco que corremos é o de a própria atividade dos pescadores ser muito prejudicada nos próximos anos e, até, acabar por completo. A minha preocupação não é apenas com as lampreias, mas com toda a atividade profissional e cultura que gira à volta desta espécie e que se pode perder”, frisou.
Para Pedro Raposo, o declínio poderá estar associado a alguma alteração no mar, onde as lampreias passam cerca de cinco anos da sua vida, antes de subirem o rio para se reproduzirem.
“Nenhum cientista português ou estrangeiro sabe o que se passa [no mar]. Colocamos como hipótese que as alterações climáticas tenham alterado os comportamentos das lampreias no mar e que possam estar a afastar-se da zona”, referiu, dando conta que está em curso um projeto de investigação europeu que procura perceber melhor a distribuição e mortalidade de espécies migradoras no mar, no qual o MARE participa.
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