Thaís N. deslocou-se, no passado dia 24 de janeiro, a uma popular hamburgueria, situada na zona do Campo Pequeno, em Lisboa. Na companhia de um amigo português, a luso-brasileira, de 37 anos, contava com um almoço simples e rápido, mas, passado mais de uma semana, a refeição parece continuar por digerir. A sobremesa tornou-se um caso de polícia, que inclui acusações de parte a parte. A alegada vítima acusa os donos do restaurante de terem protagonizado “um ataque de xenofobia”. Os supostos agressores estão a preparar uma queixa-crime contra a mulher.
Há duas versões.
Na de Thaís N., os problemas começaram logo que passou a porta do restaurante. À VISÃO, admite que “não gostou” da postura e do atendimento dos funcionários da hamburgueria, que considera terem sido “desrespeitosos”, “não recebendo bem” e com “olhares e comentários desagradáveis” dirigidos a si, assim que ocupou uma mesa. Terminada a refeição, Thaís N. decidiu pedir o livro de reclamações, mas, após “um diálogo mais tranquilo” com um funcionário brasileiro, acabou por recuar e decidir não fazer queixa, pedindo, em alternativa, para “falar com o dono [do estabelecimento] para lhe contar o que se passara”. Depois de o ambiente “arrefecer”, o amigo de Thaís N. abandonou o local, a caminho do trabalho, ali ao lado. O episódio, porém, estava longe de terminar.
Os proprietários da hamburgueria, L.C. e J.C., dois irmãos espanhóis, a residir em Portugal há vários anos, ter-se-ão aproximado. A alegada vítima diz que a conversa com L.C. “até começou bem”, mas que “a situação rapidamente se descontrolou”. A discussão terá subido de tom. “[O L.C.] não gostou do que ouviu, levantou-se, exaltado, mas antes de ir embora deu-me duas palmadas nas costas”, diz Thaís N.. Em choque, a alegada vítima voltou atrás e exigiu novamente o livro de reclamações. Depois de colocar por escrito o que terá ocorrido, Thaís N. conta que o outro proprietário, J.C., a “agarrou pelos dois braços” e “a retirou à força do local”, expulsando-a.
“Fui atirada, com violência, contra o passeio. Fiquei no chão à porta do estabelecimento. Disse-me que ‘não me queria mais no restaurante dele’. Chamou-me de “vagabunda”, “p***” e “velha”. “E quando lhe perguntei como era capaz de estar a bater numa mulher, numa mulher que é mãe… respondeu-me simplesmente que tinha pena do meu filho por ter uma mãe brasileira”.
Empresários negam agressões
A versão de L.C. e J.C. é completamente oposta. A VISÃO contactou o advogado Rui Carlos Colmonero, que representa os dois empresários, e garante que “nenhuma das situações ocorreu nos termos relatados” por Thaís N.. O causídico vai mais longe e aponta “totais responsabilidades” à luso-brasileira, que acusa “de ter começado a disparatar, sem motivos aparentes”, quando ainda estava no restaurante. “Começou a insultar os funcionários e os clientes, tendo proferido expressões ofensivas e desaquadas ao local, de forma muito incomodativa”, descreve Rui Carlos Colmonero.
O advogado de L.C. e J.C. manifesta “surpresa” pela queixa apresentada por Thaís N. e diz que esta “foi aconselhada a sair do estabelecimento, mas sem nunca, porém, ter sido insultada ou sequer tocada por qualquer membro do staff“. “O que ela diz não é verdade. Os meus clientes apenas impediram a senhora de voltar a entrar no restaurante, após ela ter saído pelos próprios pés”, defende.
Rui Carlos Calmonero acrescenta que “estamos a falar de uma pessoa que está apenas a tentar chamar a atenção”, nomeadamente com publicações sobre o caso nas redes sociais. “Xenofobia?”, questiona. “No restaurante dos meus clientes trabalham três brasileiros, dois colombianos e cinco nepaleses…”.
O advogado considera “grave” o comportamento de Thaís N. e adianta que, “por o caso estar a ter consequências na imagem” dos clientes e do negócio, vai “adoptar as medidas devidas junto das autoridades policiais” – a hamburgueria tornar-se-ia conhecida depois de um famoso cantor internacional ter passado pelo espaço e elogiado aquele que considerou “ser o melhor hambúrguer do mundo”.
IML confirmou escoriações
A PSP foi chamada ao local e tomou conta da ocorrência, ouvindo as versões dos envolvidos. Thaís N. seguiria para o hospital da CUF Descobertas, onde deu entrada com pulseira amarela, e recebeu tratamento hospitalar. Foram detetadas escoriações nos braços e na cervical, segundo o relatório do hospital, a que a VISÃO teve acesso. No dia seguinte, a luso-brasileira descolou-se à esquadra da PSP da sua área de residência (na Póvoa de Santa Iria, Vila Franca de Xira) para formalizar uma queixa contra os alegados agressores. Seria ainda observada no Instituto de Medicinal Legal (IML) de Vila Franca de Xira, que concluiu que Thaís N. terá sido alvo de “uma agressão por meios não especificados”. Os exames realizados identificaram marcas nos braços, num ombro e na cervical que podem ser condizentes com uma agressão.
A luso-brasileira conta que “vive em Portugal há 17 anos”, sente-se portuguesa “de corpo inteiro”, mas “mantém o sotaque brasileiro”. “Parece que isso incomoda muitas pessoas, não sei porquê. A sala da hamburgueria estava com muitas pessoas, que assistiram a tudo, mas ninguém fez nada para me ajudar. Pelo contrário, ainda me mandaram ‘bocas’, mas quando quando fui agredida todos se calaram e desviaram o olhar”, afirma.
Entretanto, Thaís N. foi contactada pelo Comité Popular de Mulheres em Portugal, grupo que procura salvaguardar os direitos fundamentais de mulheres, sobretudo de nacionalidade brasileira, em Portugal. A entidade já disponibilizou total apoio à alegada vítima.
A responsável Evones Santos admite que “os casos de xenofobia têm aumentado em Portugal, principalmente contra mulheres”, como a VISÃO já destacou, num artigo publicado na edição de 14 de fevereiro. “Chegamos ao caso da Thaís N. porque temos mapeado, no território nacional, várias destas situações. Tentamos sempre trabalhar com as autoridades portuguesas para tentar arranjarmos uma solução para este problema”, afirma.