Recuemos 16 anos para descobrir o momento original deste rosé que estamos prestes a provar, Miraval, colheita de 2022, já que ele faz parte da lista de vinhos do restaurante Matiz, do hotel Sofitel, na Avenida da Liberdade, em Lisboa (por agora a colheita de 2018, custa €69 a garrafa).
Esta é uma história repleta de episódios dignos de registo. Porque beber um copo de vinho nem sempre é apenas beber um copo de vinho, especialmente quando Brad Pitt e Angelina Jolie estão impregnados no terroir.
Corria o ano de 2007, ali por alturas da primavera, quando o concierge do luxuoso Hôtel du Cap-Eden-Roc, que recebe ilustres personalidades na Riviera francesa, atende uma desconcertante chamada em que o informam de que o casal de namorados de fama estratosférica, Brad Pitt e Angelina Jolie, andava à procura de um poiso no sul de França e que, para levar essa intenção a bom termo, precisavam da sua ajuda.
Daí a passarem umas férias memoráveis num castelo francês, com 12 empregados a servir a família – os atores e os seus quatro filhos – foi um tirinho.
Esses dias de descanso correram tão bem que os atores decidiram procurar um lugar ainda melhor, desta vez não para alugar durante umas férias, mas para comprar. Depois de um tour de helicóptero pela verdejante Provença, Brad e Angelina encontraram o que o ator haveria de definir como “uma base europeia para a nossa família, onde os nossos filhos podem correr livremente sem serem submetidos ao estatuto de celebridade de Hollywood.”
Até Sting lá andou
Trata-se de uma propriedade de mil hectares, em Correns, com um imponente castelo, campos de oliveiras e vasta plantação de uvas que, desde há séculos, sempre foram exploradas para a produção de vinho. Segundo a revista americana The Vanity Fair, a família nobre italiana, dona deste terreno até 1972, vendeu-o nessa altura ao músico francês de jazz Jacques Loussier. Mas a viticultura não se perdeu – ele produzia tinto, branco e rosé, ao mesmo tempo que converteu uma antiga torre de água num estúdio de gravação. Por lá, haveriam de passar estrelas como Sting, AC/DC, Sade ou Pink Floyd (recentemente Pitt reabilitou este estúdio de gravação).
Em 1992, a herdade Miraval foi vendida a um engenheiro naval americano por 5 milhões, que manteve a tradição e lançou alguns vinhos importantes, como a coleção de rosé com a chancela Pink Floyd. Haveria de ser Tom Bove a vender Miraval ao casal de atores, em 2008, por 25 milhões de dólares, mantendo-se por uns tempos na produção de vinho.
A propriedade, além de se ter tornado no refúgio da família, acabou por se transformar também numa empresa bastante lucrativa: produzia-se mel, azeite, uma linha de produtos para a pele e música. E tudo começou com o tal rosé, que leva a assinatura Miraval Côtes de Provence. Só para dar uma ideia, o vinho gerou lucros de 50 milhões de dólares em 2021.
Antes de assinarem o contrato, os gestores que assessoravam o casal aconselharam a que se acrescentasse uma adenda garantindo que, em caso de separação, cada um teria direito preferencial de compra da parte de quem quisesse vender. Ambos acharam que não era necessário, pois isso parecia-lhes evidente naquela altura em que a relação estava no auge.
A certa altura, Brad Pitt queria mais, desejava marcar a diferença no mundo dos vinhos. Andou à procura do enólogo mais experiente para trabalhar com ele e chegou ao nome de Marc Perrin, um dos melhores de França, pertencente à casa Château de Beaucastel. Chegaram à conclusão que deveriam fazer um excelente rosé, o primo negligenciado da indústria que começara a despontar dois anos antes.
Em março de 2013, as primeiras seis mil garrafas de Miraval Rosé 2012 foram postas à venda online. Esgotaram em cinco horas. Um ano depois, o casal oficializa a relação na propriedade francesa, numa cerimónia íntima a que não comparticipam mais de 20 pessoas.
O divórcio de Pitt e de MIraval
Dois anos depois da festa, Angelina pede o divórcio, alegando violência doméstica, e entra numa batalha judicial para ter a guarda dos seus seis filhos. Miraval também há de entrar no rol de discussões do antigo casal que antes era tratado de Brangelina, tal a cumplicidade que os unia.
As visões que ambos tinham para a exploração das vinhas francesas eram imcompatíveis e, por isso, Angelina decidiu sair do negócio. Mas não cumpriu o tal acordo implícito de vender a sua parte ao ex-marido. Em vez disso, ela encontrou outro comprador: Tenute del Mondo, do grupo SPI, produtor e distribuidor mundial de vodka. Em 2021, Angelina recebeu 67 milhões de dólares do milionário russo que controla Tenute del Mondo, Yuri Shefler. Um ano depois, Brad Pitt interpôs uma ação no tribunal da Califórnia, na tentativa de anular esta venda. Mas a batalha ainda está a decorrer.
A chegada de Brad Pitt a Miraval é o grande grande passo de entrada do rosé na arena internacional. Graças a este sucesso, os grandes grupos do sector dos bens de luxo e da vitivinicultura vão, por sua vez, procurar vinhas para investir na Provença. Marcas como a Chanel, Roederer ou Pernod-Ricard começaram também a mudar a paisagem vitícola provençal: o rosé da Provença entra no segmento do luxo. Tudo isto se aprende no livro La Saga des Grands Rosés de Provence, de Françoise Parguel e Camille Moirenc, acabado de lançar em Portugal.
Todo este buzz em torno da propriedade e do negócio do rosé, faz com que o vinho seja, também ele, uma personagem. Apesar de ter sido considerado um dos melhores cem do mundo pela Wine Spectator, o número um pela revista Le Figaro dentro das 33 melhores vinhas da Provença e nomeado de Most Desirable Provence Rosé Wine in the World, bebê-lo tem este travo agridoce das histórias que tinham tudo para dar certo, mas que se desmoronaram como um castelo… de cartas.