Ponto de partida na abordagem à psicóloga Liliana Dias: está mesmo a acontecer uma alegada crise na amizade masculina? “O homem tem muita dificuldade em expressar as suas emoções, e em procurar ativamente o suporte para elas”, responde a especialista, mas “não há evidência científica” que demonstre tal crise.
Não se fala aqui, salvaguarda, da “ilusão de relacionamento com os outros” que as redes sociais criam. Aborda-se, sim, a amizade concreta e definida entre homens e entre mulheres, que, está demonstrado, têm características diversas. Face a face, uma “não é melhor nem pior” do que a outra – apenas “resolvem necessidades diferentes e têm ambas vantagens e desvantagens”, defende a psicóloga.
“Nota-se mais isolamento, seja em homens seja em mulheres, o que pode estar a fragilizar a frequência dos contactos e a intensidade das relações sociais, sobretudo quanto às amizades”, enquadra a especialista. “Já havia, antes da pandemia de covid-19, indicadores de que a natureza dos relacionamentos se encontrava mais frágil e de que o novo contexto da sociedade, as nossas rotinas, as nossas dinâmicas, estavam a originar maior debilidade nas relações sociais”, diz. E o período pandémico “foi um acelerador” daquele “afastamento”.
Posto isto, o cenário bifurca-se. “As amizades masculinas têm rituais sobretudo ligados à prática do desporto, mas também passam por estar num bar ou café, por alguma rotina social”, diz Liliana Dias. Já as amizades femininas, nota a psicóloga, “estão muito mais ancoradas na relação em si do que em fazer coisas em conjunto, em ter aquele tipo de rituais”.
Vamos, então, às vantagens da amizade masculina. “Por serem relações menos íntimas, menos emocionais e mais alargadas do que as da amizade feminina, revelam-se menos frágeis”, afirma Liliana Dias.
A desvantagem, hoje, está no decréscimo da frequência de contactos. É um fator que tem “maior impacto nas amizades masculinas, porque, sendo mais diversificadas e de menor intensidade, estão muito ligadas às rotinas, e isso pode ser bastante desorganizador”, nota a especialista. “A perda de rotinas e de rituais com os amigos pode ser muito devastadora.”
As amizades femininas, essas, “são muito mais íntimas e emocionais”. Quando são amigas, “as mulheres falam com grande frequência, partilham tudo o que fazem”, diz Liliana Dias. Tendendo a “cingir-se a um grupo muito restrito”, as amizades femininas “são mais dependentes e intensas”. E uma vantagem, o apoio emocional incondicional, pode tornar-se uma desvantagem especialmente dolorosa. “Porque se criam relações muito vitais, um conflito é aqui mais devastador do que numa amizade masculina”, verifica a psicóloga.
Se, neste tabuleiro de xadrez, o jogo aparenta estar equilibrado, embora com diferentes movimentações, tal sensação desvanece-se quando se aborda a saúde mental. “Os homens demonstram muito maior dificuldade em procurar ajuda psicológica e psiquiátrica”, diz Liliana Dias. Já as mulheres, “se sentem que não estão bem, aderem mais”, acrescenta a especialista, ressalvando que se misturam aqui vários fatores – psicológicos, biológicos e sociais.
Nas suas amizades, reforça a psicóloga, “os homens têm tendência a procurar resolver outro tipo de necessidades que não as emocionais”. O que os coloca em “maior risco”. É um alerta para que, ultrapassando a norma da superficialidade, “tirem benefícios de algumas relações de amizade mais íntimas e profundas, para garantir espaços de partilha e de suporte emocional, que são grandes atenuadores do impacto do stresse, do risco de depressão e da ansiedade”.