Este é um artigo-pescadinha-de-rabo-na-boca, expressão que apostamos que os autores do macro-estudo The power of swearing: What we know and what we don’t (“o poder de praguejar: o que sabemos e o que não sabemos”), publicado na edição de outubro da revista científica Lingua, também teriam utilizado se estivessem familiarizados com a gastronomia portuguesa.
E porquê? Por um lado, os estudos têm demonstrado que, em sentido lato, dizer palavrões faz-nos bem; por outro lado, para que isso aconteça parece ser necessário que esse comportamento continue a ser punido (geralmente durante a infância). Ou seja, o “controlo aversivo”, a punição para que a criança não diga mais palavrões, poderá estabelecer uma conexão visceral entre o uso da linguagem e a resposta emocional.
Essa é uma hipótese que os investigadores liderados por Karyn Stapleton, professora de Comunicação Interpessoal da Universidade de Ulster, na Irlanda do Norte, realçam na análise que fizeram de mais de cem artigos científicos. Uma hipótese que lhes parece correta, embora notem que ela se baseia nos escassos estudos que investigaram memórias de castigos aplicados durante a infância por causa da utilização de palavrões.
“Para entender por que razão os palavrões têm um efeito tão profundo sobre nós, precisamos de investigar a natureza das memórias das pessoas em relação a eles”, escreveram num artigo publicado no site The Conversation. “Quais foram os seus incidentes significativos com palavrões? Os palavrões traziam sempre consequências desagradáveis, como uma punição, ou também havia benefícios?”, deixam no ar.
Como as músicas, na adolescência
Uma coisa é certa: a memória é crucial para a explicação do poder dos palavrões, demonstra este macro-estudo de Karyn Stapleton e dos seus colegas Catherine Loveday, neuropsicóloga da Universidade de Westminster, em Inglaterra, Kristy Beers Fägersten, professora da Universidade de Södertörn, na Suécia, e Richard Stephens, professor de psicologia da Universidade de Keele, também em Inglaterra. A memória está, aliás, ligada ao facto de que dizer palavrões pode ajudar as pessoas a relacionarem-se, sublinham os quatro investigadores.
“Pensamos que é possível os palavrões apresentarem um padrão de memória semelhante ao da música: lembramo-nos e gostamos mais das músicas que ouvimos na adolescência. Assim como a música, os palavrões podem ganhar um significado totalmente novo na adolescência. Torna-se uma maneira importante de responder às emoções intensas que tendemos a ter durante esse período e um ato que sinaliza a independência dos pais e a ligação com os amigos. Portanto”, concluem, “os palavrões podem ficar para sempre ligados a experiências importantes e memoráveis.”
Um lugar especial no cérebro
Regressemos agora ao título deste artigo: dizer palavrões desperta as emoções, afeta a maneira como pensamos e leva a uma maior tolerância à dor.
Começando pelo despertar das emoções, isso pode ser medido em diferentes sinais, como o aumento da transpiração e, às vezes, o aumento da frequência cardíaca – duas mudanças que indicam que praguejar pode acionar a função “lutar ou fugir”, lembram os investigadores.
“Estudos neuro-científicos indicam que os palavrões podem estar localizados em partes do cérebro distintas das regiões da fala. E que poderão ativar partes do ‘sistema límbico’ envolvidas em aspetos da memória e do processamento de emoções, que são instintivos e difíceis de inibir”, sublinham. “Isso poderia explicar por que razão pessoas que sofreram danos cerebrais e ficaram com dificuldades de fala continuam a dizer palavrões sem problema.”
A maneira como pensamos também é afetada pelo ato de praguejar. Experiências em ambiente de laboratório demonstraram que os palavrões são recordados mais facilmente do que palavras neutras, além de interferirem no processamento cognitivo de outras palavras ou mesmo estímulos.
“Isso pode valer a pena, pelo menos às vezes”, comentam, com humor, os investigadores, lembrando que em experiências que exigiam que as pessoas mergulhassem a mão em água gelada, os palavrões produziram alívio da dor. “Nesses estudos, dizer um palavrão levou a uma maior tolerância à dor e a um maior limiar de dor em comparação com palavras neutras.”
Ainda recentemente, um artigo da VISÃO lembrava que quem diz mais palavrões é considerado mais sincero do que quem não tem esse tipo de discurso. É alguém que não usa filtros, e portanto as palavras que utiliza refletem de uma forma mais verdadeira as suas emoções, concluiu uma investigação cujos resultados foram publicados em 2017 no Journal of Social Psychological and Personality Science.
Com tantas vozes a favor, o problema é se praguejar deixa de ser socialmente malvisto, notam Karyn Stapleton e os seus colegas. Porque, se isso acontecer, os palavrões perdem o seu poder.