É preciso recuar quinhentos anos, até ao século XVI, para identificar tempos de seca tão severa como os que se vivem hoje no continente europeu, só comparável com o ano 2018. A maioria dos rios que correm nos países europeus encontra-se com níveis muito mais baixos do que em anos anteriores. Em França, é possível atravessar o Loire a pé; na Alemanha, no Reno, onde faltam três metros de altura ao nível da água, os navios de transporte de mercadorias diminuíram em um terço a sua capacidade, para não ficarem atolados no fundo arenoso; em Itália, o nível das águas do rio Pó está dois metros abaixo do normal e as do rio Danúbio, o segundo mais longo da Europa, marcam 25ºC.
Mais a sul do continente, os alertas indicam que nos próximos três meses continuará a sentir-se calor e chuva, nem vê-la. Mau prenúncio.
Portugal não passa incólume por esta crise climática vivendo a pior seca hidrológica dos últimos 100 anos, com quase todo o país em seca severa ou extrema. Em julho, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, 55,2% do território estava em seca severa e 44,8% em seca extrema.
No Gerês, em Vilarinho das Furnas, na zona nordeste de Terras de Bouro, a aldeia que submergiu em 1971, devido à barragem construída no rio Homem, tem por agora metade da sua extensão novamente à superfície, por causa da falta de água na albufeira.
À vista de todos estão ruínas das casas em granito e outros edifícios e aproveita-se para fazer a limpeza dos pilares e outras estruturas habitualmente debaixo de água.
A falta de chuva levou à descida do caudal do rio Zêzere e com o fecho das comportas da Barragem do Cabril, a Aldeia do Vilar, submersa desde 1954, voltou a ver-se.
Vestígios da II Guerra Mundial vieram ao de cima no rio Danúbio, em Prahovo, pequena vila portuária situada na região leste da Sérvia, junto à fronteira com a Roménia e a pouco mais de dez quilómetros, em linha reta, da fronteira com a Bulgária, funcionando agora como miradouro para esta exposição a céu aberto.
São mais de 20 cascos de embarcações de uma frota de navios de guerra de Hitler naufragados, com mais de 10 mil explosivos no seu interior.
Também em Itália, recorda-se a II Guerra Mundial com o avistamento, numa outra parte do Danúbio, de um barco de guerra da época. No rio Pó, surgiu em julho, um casco com 50 metros de uma embarcação naufragada durante a guerra. Perto de Borgo Virgilio, vila da Lombardia, um grupo de pescadores encontrou uma bomba da II Guerra Mundial, com cerca de 450 quilos, dos quais 240 eram material explosivo, de fabrico norte-americano. Para desarmar a bomba, o exército italiano retirou os cerca de três mil habitantes da região e encerrou a navegação no rio e a circulação do caminho-de-ferro e de uma estrada rodoviária.
No Reino Unido, diversos tesouros perdidos também vieram à tona com a seca. Em Derwent, vila inundada nos anos 1940 para a criação da barragem de Ladybower, estão agora visíveis as ruínas de uma igreja; no parque histórico de Lydiard Park, o calor matou toda a relva, revelando assim resquícios de um jardim do século XVII.
As “pedras da fome” emergiram no leito ressequido do rio Elba, em Děčín, no norte da República Checa, junto à fronteira com a Alemanha. Numa das pedras lê-se: “Se me vires, chora”. Assim como em épocas de cheias as pessoas costumam marcar nos edifícios a altura a que a água chegou, as inscrições destas “pedras da fome”, nos rios Reno, Danúbio, Elba e Moselle, são associadas a tempo de seca severa, quando as colheitas e a falta de alimento geram escassez.
Logo no início deste ano, a falta de água na albufeira da Barragem de Alto Lindoso pôs a descoberto a antiga aldeia galega de Aceredo. Em 1992, cem aldeões tiveram de abandonar as suas casas no município de Lóbios (Ourense, Galiza) para que a barragem fosse erguida. A falta de água destapou casas em pedra, caminhos e uma ponte por onde até passavam as vacas.
Na província de Cuenca y Sacedón vieram ao de cima vestígios do balneário La Isabela, na reserva Buendía, bem como ruínas de uma aldeia coberta de lama. O reservatório de Cíjara deixou à vista uma ponte gótica medieval inundada desde a década de 1950.
Num dos cantos da albufeira espanhola de Valdecanas, na província de Cáceres, o dolmen pré-histórico de Guadalperal, conhecido como Stonehenge espanhol, círculo formado por dezenas de pedras megalíticas, do ano 5000 a.C., está em exposição. Desde que o arqueólogo alemão Hugo Onermaier descobriu o lugar em 1926, tendo sido inundado em 1963, só ficou visível por quatro vezes.
Mas, não é apenas a Europa a sofrer com as alterações climáticas e a seca severa. Do outro lado do Oceano Atlântico, nos Estados Unidos da América o cenário também não é animador.
No Texas, o Dinosaur Valley State Park, perto de Fort Worth, tem novas atrações. Graças ao rio que atravessa o parque ter secado, estão à vista fósseis de pegadas de dinossauros com 113 milhões de anos. Trata-se de vestígios de Acrocantossauro, espécie predadora bípede, e Sauroposeidon, animais com cerca de 4,5 metros de altura e mais de seis toneladas de peso.
Já as descobertas no lago Mead são algo macabras. No maior lago artificial dos EUA, entre o Nevada e o Arizona, veio à tona, dentro de um barril, restos de cadáver humano. Poderá ser o primeiro de muitos, temem agora as autoridades.
Mais longe da Europa, na China também existem episódios de seca severa, sobretudo na região sudoeste com 66 rios secos, devido à mais longa onde de calor de que há registo.
No rio Yangtze, a seca revelou a ilha Foyeliang, anteriormente, debaixo de água e num dos seus recifes três estátuas budistas erguidas durante as dinastias Ming e Qing, com cerca de 600 anos.
Haverá algum lugar do mundo a salvo dos extremos provocados pelas alterações climáticas? Infelizmente, parece que não.