A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) decidiu, no início desta semana, acusar o professor assistente que denunciou casos de assédio na instituição e pressões para os abafar, por o docente ter alegadamente difamado um colega, numa reunião do Conselho Pedagógico. Segundo o despacho, Miguel de Lemos “acusou o participante de tais pressões”, violando os “deveres de correção entre colegas”.
O professor assistente Miguel de Lemos foi o autor das propostas de criação de uma comissão com alunos e professores para investigar os casos de assédio na faculdade, que vieram a público em março, e de um organismo independente que recebesse as queixas dos alunos (que nos primeiros 11 dias recebeu 50 queixas, noticiou então o Diário de Notícias). Da reunião do Conselho Pedagógico (de que faz parte) em que apresentou estas medidas resultou uma investigação e agora uma acusação por ter dito que sabia da existência de colegas que estariam a tentar silenciar queixas e por ter mencionado o nome de um colega, na sequência de uma pergunta do presidente deste órgão escolar.
A pedido do professor catedrático visado a faculdade instaurou um processo disciplinar, em abril, a Miguel de Lemos. E no início desta semana, o docente foi notificado sobre a acusação, a que a VISÃO teve acesso e onde consta o seguinte: “No decurso da mencionada reunião [do Conselho Pedagógico], o trabalhador dirigiu-se aos membros presentes afirmando que existiam pressões concretas realizadas perante a Direção da Associação Académica da FDUL para encobrir casos de assédio e acusou o participante de tais pressões. Perante tal afirmação, o participante considerou que a sua honra e dignidade foram ofendidas e que o relatado configura violação dos deveres de correção entre colegas”.
Contactado pela VISÃO, Guilherme Almeida, o advogado do professor Miguel de Lemos, refere-se ao despacho como uma “seleção de partes dos depoimentos” recolhidos na fase do inquérito, que “constitui uma narrativa de acusação que não corresponde à realidade”. E, através da rede social Twitter, o docente defendeu que “confranger quem denuncia assédio é assédio”, garantindo que se irá defender em todas as instâncias à sua disposição.
A FDUL não respondeu ao pedido de esclarecimento da VISÃO sobre a acusação.
O que aconteceu afinal na dita reunião do Conselho Pedagógico?
Embora a queixa tenha por base a reunião de dia 7 de março, recuemos ao encontro do Conselho Pedagógico que aconteceu a 2 de maio e em que Miguel de Lemos entregou uma exposição, anexa à ata, onde se lê o seguinte: “Tive notícia de que alguns professores teriam abordado a direção da Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (AAFDL), relativamente à discussão pública de casos de assédio na nossa faculdade. Permitam-me, quanto a este ponto, a ironia: ainda que todos os conselhos sobre o futuro profissional dos alunos sejam válidos, bem como preocupações com cuidados a ter na sua vida académica, estes “veja lá não se prejudique”, estes “tenha cuidado, há coisas de que é melhor não falar” no contexto de publicitação de casos de assédio moral e sexual só podem ser entendidos, e são, como formas de pressão e tentativa de encobrimento de uma realidade que, infelizmente, marca a vida académica da nossa escola”.
Na reunião seguinte, cinco dias depois, em que o professor assistente vê aprovadas as suas propostas para a criação de mecanismos de acompanhamento dos casos de alegado assédio, o presidente do Conselho Pedagógico, António Barreto Meneses Cordeiro, pergunta se “algum dos presentes teria recebido pressões para encobrir algum caso de assédio sexual ou se tinha conhecimento de que alguém tivesse recebido pressões”. Em resposta, Miguel de Lemos diz que sim e assume que “esses factos eram do conhecimento do presidente do conselho”. O diálogo prossegue com Meneses de Cordeiro a negar e Miguel de Lemos a reafirmar o dito atrás, acrescentando: “Porque é que o professor Miguel Teixeira de Sousa me ligou no dia 2 de março às 16H45?”.
É esta pergunta que dá origem à acusação de difamação. Subentendendo-se por esta que Miguel de Lemos estaria a dizer que Meneses de Cordeiro alertou o professor Miguel Teixeira de Sousa sobre as suspeitas de Lemos – versão que o presidente do Conselho Pedagógico chegou a confirmar ao DN, em abril. Já Miguel Teixeira de Sousa admitiu ter falado, de facto, com a presidente da AAFDL sobre o tema do assédio, mas nega que tenha existido qualquer intuito de pressão. Considerou, portanto, que o discurso de Miguel de Lemos na reunião se tratou de uma ofensa à sua honra e dignidade e entregou uma participação disciplinar visando o colega a 17 de março.