Misógina, machista, moralista, deplorável, culpabilizadora da vítima, condescendente com o agressor. Estas foram algumas das palavras utilizadas para classificar a campanha de prevenção da GNR sobre a partilha de fotografias íntimas na internet. Na sequência das críticas, sobretudo de mulheres mas não só, a força de segurança viu-se obrigada a editar o post que publicou na sua página de Facebook, no passado dia 14, com o seguinte título: “Pensavas que era só ele que ia ver?”.
A intenção podia ser a melhor, mas muitos acusaram a Guarda Nacional Republicana de estar a apontar o dedo às vítimas, com esta pergunta. Repetiram-se os comentários de indignação perante o que várias pessoas compararam ao exemplo da mulher violada que é vista como culpada por ter vestido roupa supostamente provocatória. O facto de a pergunta surgir sobreposta numa fotografia que mostra um soutien vermelho em cima de um conjunto de telemóveis – um deles com uma mulher em lingerie – aumentou ainda mais o tom de algumas críticas.
A deputada não inscrita Cristina Rodrigues, eleita pelo PAN mas entretanto desvinculada do partido, pôs o dedo na ferida, ao partilhar na sua conta de Twitter o post da GNR, acusando-a de visar as vítimas e esquecer os agressores.
Em resposta aos comentários que se foram sucedendo – a publicação gerou mais de 1500 partilhas e quase cinco mil gostos -, Cristina Rodrigues reforçou a ideia de que o post da GNR “está a censurar quem envia, o que é algo perfeitamente normal, em vez de censurar quem as partilha com terceiros sem ter consentimento para o efeito”, equiparando-o ao conselho “não uses saias curtas porque te podes cruzar com uma pessoa que não se sabe controlar nem respeitar e viola-te”. A deputada acrescenta ainda que a mensagem lhe parece apenas “uma forma diferente de dizer ‘não te metas a jeito'” e não consegue imaginar outra continuação para a pergunta que não esta: “Pensavas que só ele ia ver, sua estúpida?”.
Em causa está a partilha com terceiros, sem autorização, de imagens íntimas enviadas por mensagem privada através da internet. No post, a GNR alerta que “uma amizade virtual pode acabar em chantagem, basta para tal que se partilhem imagens ou vídeos íntimos de cariz sexual com a pessoa errada, através das redes sociais ou aplicações, os quais podem vir a ser utilizados para extorquir dinheiro em troca da sua não divulgação”. Em seguida, as vítimas são aconselhadas a denunciarem este tipo de casos, um crime que está a preocupar as autoridades.
Este conteúdo não mereceu reparados tão acintosos, além da ausência da culpabilização de quem partilha as imagens com terceiros sem consentimento e da falta de referência ao facto de ser punível criminalmente. Mas a pergunta que suscitou maior polémica acabou por ser apagada pela GNR.
Paulo Baldaia, jornalista e comentador de política na SIC Notícias, TSF e DN, foi um dos respondeu ao post de Cristina Rodrigues no Twitter, para defender que o apontar de culpas tem precisamente o efeito de levar a vítima a não denunciar, exatamente o contrário do pretendido.
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Nem todos, porém, interpretaram da mesma forma o polémico post da GNR. É como dizer “aprende a defender-te”, escreveu o utilizador João Raimundo. “Não estão a culpar a vítima, mas sim defendê-la, informando-a.”
João Cabral, deputado do PS na Assembleia Municipal de Sintra, opinou no mesmo sentido, considerando correta a estratégia de centrar a mensagem de alerta nas vítimas. “É focando na dor de quem tem o problema que se pode ajudar”, argumentou.
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Entre os 170 comentários no Facebook também há quem prefira destacar um lado pedagógico na mensagem da GNR, mas a maioria não deixa passar “o discurso favorável para um agressor” ou “os estereótipos sobre a responsabilidade das mulheres nas múltiplas formas de violência sexual de que são alvo”. E a ironia não podia faltar: “Bela campanha de culpabilização da vítima.”