A BBC escreve que, em finais do século XVI, mais precisamente no ano de 1582, um marinheiro vindo de Marselha para Alghero, na Sardenha, Itália, levou também a peste consigo, contaminando muitas pessoas e traçando-lhes um destino sombrio – essa epidemia provocou 6 mil mortes, sendo responsável pela morte de 60% da população da cidade, de acordo com a BBC.
De forma inesperada, a epidemia desapareceu oito meses depois de ter começado, e manteve-se em Alghero, não afetando os distritos circundantes. Além disso, a cidade não foi afetada por nenhuma peste até 60 anos depois. Isto aconteceu, escreve o jornal britânico, devido a um médico “muito à frente do seu tempo”, Quinto Tiberio Angelerio, que definiu, num manual, as regras de como manter o distanciamento social.
Ole Benedictow, professor de história da Universidade de Oslo e autor de um artigo sobre este tema, diz que as decisões deste homem foram impressionantes. De acordo com o especialista, a cidade italiana não estava preparada para lidar com uma pandemia, devido às más condições sanitárias e ao escasso e impreparado número de médicos que havia na região. Angelerio tinha chegado à Sardenha vindo da Sicília, onde poucos anos antes tinha havido uma epidemia parecida.
Quando reparou no cenário que acabava de assistir em Alghero, escreveu um relatório sobre a peste que assolava a cidade e fez um pedido – que lhe foi negado – para poder colocar os doentes em quarentena. Depois de conseguir contactar com o vice-rei, teve permissão para ser o responsável por criar medidas de contenção do surto, criando um cordão sanitário triplo à volta dos muros da cidade, para impedir qualquer comércio com pessoas de fora. Inicialmente muito criticado pelas medidas implementadas, até pela população, a verdade é que foi por causa deste médico que o surto foi contido.
Confinamentos, distância de 1,80 metros e desinfeção de bens
Num manual publicado anos mais tarde, Ectypa Pestilentis Status Algheriae Sardiniae, em que Angelerio explica as quase 60 normas que impôs na cidade, pode ler-se que foram adotadas medidas restritas de contenção da epidemia: os habitantes da cidade foram obrigados a ficar em casa e só uma pessoa por família podia sair para fazer as compras, sendo proibidos os encontros e reuniões. Além disso, a distância mínima entre pessoas era de 1,80 metros.
Além disso, o médico descreveu que deviam ser colocados corrimões nos balcões das lojas onde se vendiam alimentos, para se manter a distância entre as pessoas, e que os proprietários das casas deviam desinfetá-las e ventilá-las e os objetos de menor valor serem queimados – os de maior valor podiam ser desinfetados num forno.
Mesmo que o termo “imunidade” ainda estivesse longe de surgir, o médico também deu tarefas a quem tinha sobrevivio à peste: os coveiros deviam fazer parte deste grupo de pessoas, porque este trabalho era considerado de alto risco. Foram criadas, também, instalações para pessoas infetadas e que tinham estado em contacto com infetados ficassem em quarentena.
Este plano epidemiológico teve em conta, claro, superstições, sendo que o próprio médico afirmou que a peste era um castigo divino e impôs medidas que não foram eficazes na contenção do surto, pelo contrário, como mandar matar e lançar ao mar perus e gatos. Já em relação aos ratos, conhecidos por serem portadores da peste, não houve qualquer instrução na cidade de Alghero.
Apesar de se poder comparar as medidas adotadas por este médico na peste de há vários séculos – o seu manual serviu de exemplo para as seguintes – com as normas estabelecidas para conter a pandemia de Covid-19, já que têm muitas semelhanças, a verdade é que os tempos são diferentes, e a mortalidade associada a doenças de há muito anos era muito maior.