“Todos os corpos não binários são válidos e bonitos”, lê-se pela perna acima de Addison Rose Vincent. “Devia fazer uma tatuagem?”, pergunta o/a criador/a de conteúdos digitais na legenda dessa selfie em que aparece sem roupa, de barba bem aparada e cabelo comprido penteado para um lado.
“Não precisas. A tua mensagem é naturalmente bonita o suficiente e óbvia”, responde-lhe um dos seus mais de 66 mil seguidores no Instagram. Mas a verdade é que, há um mês e pouco, quando o/a dono/a da conta @breakthebinary apareceu com as palavras “they” e “them” pintadas na cara, e discorreu sobre a importância de respeitar os pronomes escolhidos pelos outros, houve logo quem admitisse nunca ter ouvido falar do tema.
É por causa de comentários como esse que Addison tem a certeza de ainda haver muito caminho para andar. Não foi, por isso, por acaso que chamou à sua conta @breakethebinary (à letra, quebra o binário), uma frase que usa há anos na sua luta pela aceitação das pessoas não binárias.
Uma pessoa não binária é alguém que não se identifica com a separação por géneros homem e mulher. “Quando se pensa no género, muitas vezes ele é visualmente separado em cor de rosa e azul”, lembra. “Mas quando refletimos sobre a roda das cores, não existem apenas duas cores primárias, mas três: cor de rosa (vermelho), azul e amarelo. O amarelo sempre existiu e o meu objetivo é consciencializar para as identidades que estão no meio entre e fora do binário cor de rosa-azul… o amarelo e para lá dele.”
Também não foi por acaso que este/a canadiano/a que cresceu nos Estados Unidos fundou uma empresa de consultoria para ajudar outras empresas, organizações e escolas a chegarem “ao próximo nível”.
Na Break The Binary LLC, com sede em Los Angeles, Addison e o marido, Ethan Alexander, dão orientação e formação na construção e na manutenção de ambientes afirmativos para lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e queer (LGBTQ+). “Imaginamos um mundo onde elas sejam tratadas como pessoas dignas de respeito”, lê-se no site da empresa de consultoria.
Amigues como sempre
Escreva-se que Addison não está sozinho/a no seu ativismo pela aceitação da identidade não binária. No Instagram, a hashtag #nonbinary devolve mais de 6 milhões de publicações, havendo milhares de pessoas que escolhem dizer ao mundo que não se encaixam na dicotomia homem /mulher.
O passo seguinte, o tal “próximo nível”, é essa hashtag já nem sequer ser necessária. Mas antes disso é preciso que a linguagem neutra entre no nosso dia a dia. Nem que seja por tentativa e erro.
Seis meses depois de se ter revelado que não se identifica como sendo do género feminino ou masculino, Demi Lovato não usa a hashtag #nonbinary nas suas publicações mas continua a ter de pedir que não se dirijam a si com os pronomes “she” (ela) ou “he” (ele).
Logo na sua bio no Instagram, aliás, surgem as palavras “they/them”, que significa literalmente como “eles”, mas é muito utilizado pelas pessoas não binárias. E, de vez em quando, a artista americana faz posts ou reposts sobre o tema – como os do influencer Matt Bernstein, um jovem make up artist e fotógrafo que usa a beleza para gerar debate sobre temas político-sociais.
As coisas mudam devagar. Já foi em 2019 que o cantor e compositor Sam Smith se assumiu como não sendo nem homem, nem mulher, preferindo os pronomes neutros em inglês “they/them”. No ano seguinte, quando Elliot Page se identificou como transgénero e pessoa não binária, muitos órgãos de comunicação social não só caíram no deadnaming (referiram o seu nome de nascimento) como tiveram dificuldade em parar de utilizar os pronomes femininos.
Em português, começámos por substituir a última vogal dos pronomes “ele/ela” por um “x” ou um “@”. Mas, além de serem ambos complicados oralmente, podem dificultar o acesso à pessoas com deficiências visuais se os leitores de ecrã não reconhecerem os símbolos.
Quando a palavra termina em “a” e “o”, a alternativa é substituir por “e”. Exemplos: em vez de linda/o e amiga/o, usa-se linde e amigue. Se terminar em “ã” e “ão”, como em irmã/ão, usa-se irmane.