Um novo estudo que inquiriu mais de 700 voluntários aponta para o potencial dos memes – imagens com descrições engraçadas relacionadas com situações do dia-a-dia – para nos ajudar a lidar com o stress trazido pela pandemia.
Jessica Gall Myrick, professora na Universidade da Pensilvânia e autora do estudo, deu por si a recorrer a memes na Internet para aliviar o stress ao final do dia, e perguntou-se se outras pessoas estariam a fazer o mesmo. O resultado foi um estudo, publicado na American Psychological Association, que explora os efeitos dos memes na gestão do ‘stress pandémico’.
Para o estudo foram entrevistadas 748 pessoas, e a maioria reportou que ver memes fofos ou engraçados os ajudou a controlar os níveis de stress e ansiedade, e fez com que se sentisse mais confiante na sua capacidade de enfrentar a crise de saúde global.
O riso é o melhor remédio
Os memes são imagens publicadas na Internet que, acompanhadas por uma descrição divertida, descrevem situações do dia-a-dia com que qualquer pessoa se possa identificar. E em períodos de grande instabilidade e stress, como tem sido a pandemia da Covid-19 – embora a gravidade da situação não seja de todo motivo para rir – encarar a situação com uma dose saudável de humor pode ajudar bastante a lidar com ela. Particularmente num período em que a interação pessoal esteve severamente limitada, não é de admirar que as pessoas tenham encontrado formas alternativas de se expressarem através de meios digitais.
“Os memes são construídos com base na ideia de referências culturais partilhadas, e de partilha na Internet”, disse Rebecca Ortiz, professora na Universidade de Syracuse, em Nova Iorque, que não participou no estudo, ao The Washington Post. “Não é apenas a mensagem que pode ter um efeito calmante, é a sensação de que isto é algo que está a ser partilhado entre várias pessoas que podem estar a debater-se com as mesmas questões”.
Myrick concorda, afirmando que as pessoas estão a recorrer às redes sociais, e em particular aos memes, como formas de observar e lidar com a pandemia. “Como estamos isolados, quando vemos um meme sobre a Covid-19 e este reflete algo sobre a nossa experiência, é realmente poderoso porque não se consegue ter tanta interação interpessoal com as pessoas. Há algo nos memes que nos ajuda a relacionarmo-nos com outras pessoas”, explica.
Para o estudo, os investigadores reuniram centenas de memes retirados de sites como o Imgur e IMGflip, que continham na sua maioria imagens de pessoas e animais. Alguns memes tinham descrições relacionadas com a Covid-19, e outros não. Um exemplo bastante ilustrativo é o da fotografia de um gato com um ar zangado, cuja descrição original era: “Novo estudo confirma: os gatos não podem sabotar o seu carro, mas fá-lo-iam se lhe fosse dada a opção”. Uma outra versão da mesma fotografia incluía a descrição: “Novo estudo confirma: os gatos não podem espalhar a Covid-19, mas espalhariam se lhes fosse dada a opção”. Uma outra imagem mostrava uma cena do filme “Sozinho em Casa” em que uma personagem diz “Deixa isso à porta e sai já daqui,” com a descrição: “Encomendar pizza durante uma pandemia”.
A um grupo de participantes foram apresentadas estas imagens, enquanto o outro grupo, um grupo de controlo, consumiu outro tipo de media. Depois, os participantes reportaram o quão engraçado tinham achado o meme, e também os seus níveis de ansiedade e de emoções positivas tais como calma e relaxamento. Também foram questionados sobre o nível de stress que sentiam em relação à pandemia, e a sua confiança na sua capacidade para lidar com a crise de saúde global.
Os investigadores descobriram que o grupo que consumiu os memes reportou níveis mais altos de humor e outras emoções positivas, ao mesmo tempo que revelavam níveis mais baixos de stress, em comparação com o grupo de controlo. Além disso, os participantes que viram memes relacionados com a Covid-19 reportaram também sentirem-se mais confiantes na sua capacidade para lidar com a pandemia e com o stress que lhe está associado.
“Isto sugere que nem todos os media são uniformemente maus para a saúde mental, e que as pessoas deviam parar e fazer um balanço do tipo de media que estão a consumir”, disse Myrick num comunicado à imprensa. “Se estivermos todos mais conscientes de como os nossos comportamentos, incluindo o tempo de scrolling, afetam os nossos estados emocionais, então seremos mais capazes de utilizar as redes sociais para nos ajudar quando precisamos delas, ou de fazer uma pausa quando precisamos”, explica, reforçando que as descobertas do estudo sugerem que os conteúdos humorísticos sobre eventos públicos stressantes podem ajudar as pessoas a processar esses eventos, sem ficarem completamente dominados por eles.
A investigadora acredita que, apesar de as redes sociais e a Internet serem fortemente criticadas pelos potenciais efeitos negativos que têm na nossa saúde mental, é possível transformá-las em ferramentas positivas se formos conscientes da forma como as usamos e do tipo de conteúdo que consumimos.
“Algumas pessoas sugerem que se evite o consumo de informação sobre a Covid-19 se não quisermos ser afetados por essa informação, mas esta investigação sugere que ver algo engraçado e culturalmente relevante sobre esta situação stressante pode realmente ajudar-nos a sentirmo-nos mais ligados a outras pessoas enquanto lidamos com o stress da pandemia”, reforça.
O jornal norte-americano The Washington Post descreveu o estudo como “um pequeno mas notável ponto luminoso” no meio de todas as más notícias que temos ouvido sobre os efeitos negativos da exposição à Internet e às redes sociais em particular.