Se o amor não tem fronteiras, o ano de 2020 tem provado que não. De um momento para o outro, uma imensa minoria – estima-se que sejam, pelo menos, 36 mil – viu-se confrontada com as restrições de viagens para a União Europeia (UE) e passou o verão a lutar contra elas. Catarina Palma Vilaça, 28 anos, faz parte desse grupo e desdobra-se em esforços para voltar a poder estar com o namorado, Yoamel, um ano mais velho e de nacionalidade cubana. Conheceram-se há mais de um ano, no Vietname, e viviam juntos até que a pandemia os separou.
“Decidimos sair, a 12 de março, achando que voltávamos a ver-nos em Portugal ou em Cuba.” Até hoje. Vai para oito meses que não sabem com o que contam. Catarina lamenta que “Portugal continue a ignorar as recomendações da UE, deixando que famílias e casais binacionais se juntem em território nacional”. Na publicação do Facebook com uma foto do casal, Catarina falava, no início de outubro, em nome dos cerca 400 casais e famílias que, diariamente, pedem ajuda para voltarem à normalidade possível e mostrava-se indignada por nada estar a ser feito cá, desde o lançamento da campanha Love Is Not Tourism (Amor Não É Turismo), com a hashtag #LoveIsNotTourism. A sua história tem desenvolvimentos, mas já lá iremos.
Vidas suspensas
A pandemia complicou ainda mais a já difícil jornada daqueles que se amam à distância e que converteram num clássico o filme Like Crazy (2011), inspirado na vida real do realizador, Drake Doremus. A película reconstitui o romance a as vicissitudes da sua história conjugal, marcada pelos problemas de imigração dos Estados Unidos. Fora do grande ecrã, não se imaginava que viesse a ser bem mais complexo amar em tempos de Covid-19. Reunificar pessoas ligadas pelo amor e fisicamente afastadas, dadas as limitações impostas pelo combate ao novo coronavírus, foi um dos tópicos mais discutidos nas redes sociais em pleno verão, com mais de mil seguidores no Twitter e 38 mil no Facebook.
A iniciativa da International Love, e liderada por Robin Maximilian Brüne, teve o apoio formal do eurodeputado dinamarquês Rasmus Andresen, que apelou à CE e Estados-membros para que levassem em conta os direitos das parcerias LGBTI.
A petição obteve mais de 10 mil signatários no espaço europeu. Em agosto, a CE legitimou as pretensões dos peticionários mas as restrições permanecem uma realidade para quem é de países que estão fora do Espaço Schengen (EUA, Rússia, Brasil e a maioria dos países africanos e asiáticos).
Recentemente, a presidente da CE, Ursula von der Leyen, que se apresenta no Twitter como “mãe de sete e europeia de coração”, reafirmou o seu empenhamento nesta matéria: “Mais do que nunca, precisamos dos nosso entes queridos ao nosso lado (…) Hoje apresentamos orientações no sentido de encorajar os países da UE a facilitarem a reunificação de famílias e casais.”
Ao reconhecer as medidas para impedir a propagação do vírus e o direito às famílias e casais binacionais de estarem juntos, o mote da campanha ganhou corpo. Os pioneiros a agilizar procedimentos para tornar possíveis os reencontros no espaço europeu foram a Dinamarca e a Noruega. Outros seguiram-lhes o exemplo (Ver caixa). Portugal continua sem uma lista de requisitos compatível com as linhas orientadoras apresentadas por Bruxelas e nenhuma resposta foi dada ao mail da VISÃO solicitando informações a este respeito ao Ministério da Administração Interna.
Sem fronteiras, apesar delas
A petição portuguesa iniciada há quatro meses por Cristóvão Fernandes, com uma carta dirigida ao Presidente da República, ao Primeiro-Ministro e à Representação da CE em Portugal, tinha conseguido 7500 subscritores mas o sonho de ver discutido o tema no Parlamento esfumou-se na semana passada, por não estarem cumpridos todos os requisitos legais (como mencionar o cartão do cidadão). “Fomos alertados pelo PAN, o único partido que nos tem apoiado.” Um balde de água fria que obrigou a ter de começar tudo de novo na segunda vaga pandémica.
“Para podermos apresentar a nova petição na Assembleia da República precisamos de 10 mil assinaturas”, adianta, tendo por base do documento com as recomendações da CE (entrada para nacionais de países terceiros e familiares com um visto ou autorização de residência emitida por Estado-membro, ao abrigo da sua legislação nacional). Basta que o façam através da página Love Is Not Tourism – Portugal, ou da que tinha sido criada anteriormente, Love Is Not Tourism – PT.
Com o coração nas mãos, e a pensar também “nos casais que estão privados de ver os filhos desde que começou a pandemia”, a administradora da página tudo fará para que a saga tenha um final feliz. Contrariamente a outros casais, que “desistiram e cederam ao cansaço de remar contra a maré“, Catarina e Yoamel mantêm-se firmes e esperançosos no amanhã: “Queremos voltar ao Vietname e voltar a dar aulas e se há coisa de que estou certa é que estes obstáculos uniram-nos ainda mais.”
O amor é essencial, e não apenas turismo, mas falta passar da intenção à prática. Catarina exemplifica: “O meu namorado não pode entrar porque precisa de visto; a boa notícia é que Cuba abriu hoje as fronteiras e posso lá ficar um mês, como turista.” Yoamel já tem a autorização para sair do seu país – “mais flexível que o nosso”, ironiza a ativista pela causa – mas, das cinco vezes que contactaram o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), não lhes chegaram respostas.
Ventos de mudança
O consenso quanto aos regulamentos a seguir para os casais solteiros e famílias possam visitar os seus centra-se em dois pontos: teste pago à chegada e quarentena até ter um resultado negativo ou quarentena de 14 dias. Já são 13 os países que flexibilizaram as restrições para permitir os reencontros: Dinamarca, Noruega, Holanda, República Checa*, Islândia, Áustria, Suíça, Finlândia*, Alemanha*, França*, Espanha*, Itália*, Canadá*
* Estes países só permitem a entrada de parceiros não casados em circunstâncias específicas. Fonte: https://www.loveisnottourism.org/