Francisco Almeida Maia aponta para o final de junho como a data em que a aplicação Stayaway estará pronta a ser descarregada para os telemóveis dos portugueses – sendo impossível calcular quantos milhões de pessoas a descarregarão, uma vez que o seu uso terá de ser voluntário. Numa primeira fase, seguramente, não chegará a todo o País. Será um processo gradual, tal como em Itália, por exemplo, onde apenas três regiões foram abrangidas no início experimental da sua app de rastreio aos contactos com a Covid-19. Mas, uma coisa é certa: quantos mais downloads da aplicação Stayaway forem feitos, tornando maior a sua utilização, mais eficaz a app se torna.
Numa crise sanitária em que se quer o diagnóstico cada vez mais rápido, a app é um método que permite detetar e interromper cadeias de transmissão do novo coronavírus, com um longo período de incubação e muitos doentes sem revelarem sintomas da doença.
Em Portugal, quem está responsável pelo desenvolvimento da aplicação é o INESC TEC, associado a duas startups spinoff, a Keyruptive e a UBIrider, em parceria com o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), que envolve também Ordem dos Médicos, Direção-Geral da Saúde e Ministério da Saúde.
O grupo de investigadores portugueses, do qual Francisco Almeida Maia, 33 anos, CEO da Keyruptive e investigador afiliado do INESC TEC faz parte, tratou de desenvolver a aplicação móvel (que se baseia na troca de beacons aleatórios através de bluetooth de baixo consumo, periodicamente renovados) e toda a parte dos seus servidores e interações com as autoridades de saúde pública. Quem está a oferecer essa troca de dados é a Apple e a Google, para que a integração com os seus sistemas operativos (iOS e Android, respetivamente) seja mais eficaz. “A app está toda desenvolvida em cima desses interfaces de programação de aplicações, os chamados APIs. Estamos a testar se as trocas de dados aleatórios, a análise de risco e depois o funcionamento de comunicação de infeção e de alerta de contacto estão de acordo com o planeado. Simulamos com ‘coreografias’ momentos da vida real das pessoas, desde uma caminhada a alguém parado, até uma reunião, e tentamos perceber se a app está a precisar de ajustes”, exemplifica Francisco. Com centenas de modelos diferentes de telemóveis é preciso encontrar formas de captar essa diversidade eletrónica e confirmar que a app funciona entre telefones diferentes. Seja um telemóvel mais antigo ou outro mais moderno, todos têm de analisar o risco de forma semelhante.
A opção de usar as APIs da Apple e da Google vai permitir à Stayway uma maior interoperabilidade. “Uma das coisas que estamos também a testar é a capacidade de a aplicação funcionar num telemóvel de uma pessoa que viaja de Portugal para Espanha, por exemplo”, adianta Francisco. Está a ser estudada a melhor forma para os dados serem partilháveis entre servidores específicos para cada país, de forma a que mesmo fora do território nacional, os portugueses recebam as notificações de potenciais contactos de risco. Um dos parâmetros para se ser considerada uma pessoa em risco é ter estado a dois metros de distância ou menos, durante 15 minutos, da pessoa infetada.
A grande diferença das aplicações que estão a ser criadas para cada país é saber se usam uma abordagem centralizada ou descentralizada. Na centralizada, a app comunica todos os dados do utilizador (registo de contacto, localização de GPS) para um servidor central, onde são feitos os cálculos de risco de contacto, notificação, entre outros benefícios da app. Na opinião de Francisco Maia, o maior senão desta abordagem – apesar de existir mais informação centralizada que permite uma maior análise e previsão – é incorrer num problema de invasão de privacidade e de proteção de dados. Este é o caminho que tanto a França como o Reino Unido estão a seguir, gerando mais uma polémica no meio da crise sanitária. Na Ásia tudo se passa de forma diferente. Também existem aplicações centralizadas, até muito mais intrusivas do que as europeias, mas como a aplicação é obrigatória (e não voluntária como será em Portugal) a população desse continente não tem como contornar.
Tal como a Suíça, a Itália e a Espanha também Portugal está a desenvolver uma abordagem descentralizada, em que “não existe recolha de nenhum tipo de dado pessoal” a quem utilizar a Stayaway. A pessoa não terá de partilhar a sua localização ou o seu nome, nada. Tudo é feito com a geração de beacons (números aleatórios) e os dados dessas observações nunca saem do telemóvel. A única altura em que há um dado que sai do telemóvel é quando alguém, em caso de ser diagnosticado com Covid-19 e de forma voluntária, envia para o servidor central os seus números aleatórios e o código fornecido pelas autoridades de saúde pública. Isso faz com que todos os outros números aleatórios que estiveram em contacto com o infetado recebam um alerta, sem nunca se saber quem é o contacto dessa cadeia.
Serão a Comissão Nacional de Proteção de Dados e o Centro Nacional de Cibersegurança as entidades responsáveis por emitir os pareceres, em princípio durante a próxima semana, que vão (ou não) dar luz verde para o uso da app. Mas Francisco Maia garante: “Os nossos dados estão protegidos porque na estruturação normal da app nunca saem do telemóvel. Aliás, nem os dados pessoais, nem a própria localização da pessoa, nunca chegam a estar registados na app. Na app só estão beacons, os tais números aleatórios que a app difunde e que nunca saem do telemóvel e são protegidos. No servidor central, que é público, não ficará nenhum dado que mereça proteção especial ou que seja potencial alvo de ataque.”
E, ao fim de 14 dias, período de incubação em que o vírus pode ser transmitido, os dados que estão no servidor perdem relevância e são apagados.
Uma das mais-valias da Stayaway é funcionar através de bluetooth. Para se perceber melhor as diferenças: o GPS dá-nos a localização no espaço, o bluetooth não. O que faz é enviar os beacons aleatórios na sua proximidade, deixando saber quem esteve em contacto com alguém naquela proximidade, naquele espaço de tempo. Não dá a informação nem da posição, nem do percurso feito por cada utilizador. Além disso o bluetooth utilizado é o low energy (de baixo consumo) para minimizar o impacto de gasto da bateria do telemóvel, mais suave do que os emparelhamentos tradicionais.