Há quem leve bolachinhas do seu país para partilhar, há quem mande postais no Natal seguinte, há quem adore simplesmente porque nunca teve uma árvore assim, com uma enorme estrela e luzinhas. Todos concordam que é uma experiência inesquecível – e isto aplica-se tanto a quem passa a ter companhia nesta noite de festa como a quem embarca nessa aventura de ter a casa um bocadinho mais cheia, na Noite Feliz.
Foi a pensar nisso tudo que, há já sete anos, os responsáveis da Rede de Estudantes Erasmus (ESN) então a funcionar apenas no Porto, se lembraram de proporcionar toda uma outra experiência a quem, por qualquer razão, é obrigado a ficar longe de casa nesta altura. “Foi tudo muito espontâneo: em conversa com amigos e colegas, soubemos que havia quem não tivesse dinheiro para a viagem, e voltar para finalizar o semestre, um mês e pouco depois”, recorda Mariana Sousa, 28 anos, então estudante universitária na sua cidade, e uma das pioneiras da iniciativa.
Mas o que a organização não contava era que aquele convite feito por impulso tivesse uma tal repercussão que a própria universidade acabaria por os desafiar a transformar a ideia numa prática anual. Há cinco anos, Aveiro também aderiu, como relata Joana Ribau Leite, 25 anos, atual presidente da ESN, a assumir que esses momentos já lhe deram amigos e recordações para a vida: desde Amanda, a estudante brasileira que passou a enviar postais de boas-festas todos os anos, ao rapaz hindu que, pela primeira vez na vida, celebrou o Natal. Este ano, a popularidade do evento já é de tal envergadura que se esperam momentos de partilha destes em 15 localidades, espalhadas um pouco por todo o país, onde juntar estudantes estrangeiros à nossa consoada passou a fazer parte da tradição. As histórias falam por si.
Missa do Galo e música em polaco
Veja-se a casa de Ana Vilhena, 24 anos, que estuda Direito na sua cidade, Coimbra. Já por três vezes que a casa recebeu mais gente além dos tios, avós e outros familiares mais próximos. “Como não tive oportunidade de fazer Erasmus fora do país, acabei por me inscrever na rede que funciona cá para dar apoio a quem vem de fora. E a experiência é igualmente gratificante”. Da primeira vez, partilharam o momento com um rapaz romeno e um outro búlgaro, mas que vivia na Roménia, e divertiram-se durante boa parte do serão a encontrar palavras semelhantes. “São ambas linguas latinas, mas nem tinha noção do quão parecidas são. Foi muito divertido”, conta Ana.
Mas foi no ano passado que esta noite de Natal partilhada mais a surpreendeu, quando a estudante de Erasmus que se inscreveu na iniciativa interpelou a família de Ana a saber se podia levar acompanhantes: a saber, os pais e a irmã, que tinham acabado por viajar da Polónia para a visitar nesta época do ano. “Foi muito engraçado: como também partilhavam a religião católica connosco, fizeram até questão em ir à Missa do Galo.” Em troca, ofereceram CD’s de música da época em polaco, claro, doces típicos daquele país e ainda um postal com a imagem de Fátima naquela língua eslava – afinal, os polacos estão entre os estrangeiros que mais visitam aquele santuário.
De volta para a Páscoa
Paula Dudela, 23 anos, também veio da Polonia à procura de sol e bom tempo, para variar da sua Varsóvia natal. Estudante de comunicação, foi em 2017 que se aventurou numa experiência universitária fora do país. Pensou primeiro em Itália e depois em Espanha, mas as cidades disponíveis acabaram por se revelar menos apelativas do que pensara. Eis então que Portugal se apresentou como a melhor das opções. “Ia só com intenção de passar o primeiro semestre, mas depois tornou-se irresistível ficar mais tempo”, conta, a recordar que acabou por ficar mesmo até ao verão seguinte. Só balançou quando se começou a aproximar o Natal. “Nunca pensei que pudesse sentir-me triste”, acaba a confessar.
Foi quando lhe falaram no Erasmus Student Network, a rede de estudantes internacionais que estão cá em intercâmbio – e da possibilidade de passar a noite da consoada com uma família portuguesa. Combinou com uma amiga e seguiram à risca as instruções que as levaram a uma simpática vivenda em Cascais. Quando chegaram lá, a surpresa ainda foi maior: além delas, havia ainda estudantes de outros países – Itália, Lituânia e Brasil. “Lembro-me sobretudo que havia muita gente e a temperatura estava a 15 graus”, antes de reconhecer que é quase a temperatura média no seu país durante o verão (21 graus).
Se tivesse ido passar o Natal a casa, teria passado certamente mais tempo em casa – nesta altura do ano, estão sempre alguns graus abaixo de zero. Nem teria ido à Missa do Galo e distribuído os presentes depois. “Foi tão diferente, mas tão bonito”. Sobretudo, o que mais a impressionou foi que em momento algum se sentiu sozinha. “Ficámos bons amigos. Aliás, já voltei a estar com eles na Páscoa. Duas vezes!”
Os colegas também são para as ocasiões
Rita Curvo Carapinha, 27 anos, que entretanto terminou Engenharia do Ambiente, andava desde setembro de 2015 – quando regressou de Erasmus, em Barcelona – para se juntar à ESN. Originária de Évora, embora a estudar em Lisboa, nem hesitou em aceitar estudantes estrangeiras para passar o Natal com a família. “Quando estive fora também não tive oportunidade de vir a casa nesta altura e custou muito”, assume. No match feito pela organização, calharam-lhe duas raparigas, uma da Lituânia, outra da Alemanha. “Só as conheci quando as fomos buscar à estação de comboio, à chegada a Évora”, recorda.
Começaram por ir almoçar fora, logo no dia 24, com os pais de Rita, antes de dar um passeio pela cidade. E depois nessa noite, em que geralmente só os mais religiosos vão à igreja, acabaram por ir todos à Missa do Galo. “Fez-nos todo o sentido porque era um momento de encontro, de amigos e conhecidos”, segue Rita, sabendo que nos países não latinos, que não são católicos, a prática é diferente – por exemplo, na igreja ortodoxa, a celebração mais importante é em janeiro, pelo Dia de Reis. De início, alguns receios – com a avó, por exemplo, que aos 80 anos não sabe falar inglês, mas que fez questão de lhes proporcionar o alojamento, porque era quem tinha mais camas vazias. Uma levou bolachas alemãs, a outra um bolo típico lituano, que não foi nada fácil de fazer porque não havia como encontrar os ingredientes todos. No ano seguinte, o maior agradecimento: “uma moldura com a foto das duas”, como agradecimento, para juntar às outras que já havia pela casa.
Acolhimento, uma imagem de marca
Estudante de Economia na Universidade do Porto, Rodrigo Gomes tinha regressado de Erasmus da Roménia quando se tornou voluntário da rede ESN. Proporcionar um Natal mais quentinho a quem está por cá nesta altura era o mínimo que podia fazer – “ainda mais quando o acolhimento é uma das nossas imagens de marca”, conta o ainda voluntário da rede, agora na direção da organização.
Como é filho de pais separados, foi-lhe possível mostrar duas realidades: a consoada foi passada com a mãe, o dia de Natal com o pai. “Recebemos duas raparigas da Lituânia e foi espetacular”, resume. Primeiro, porque se a mãe e a irmã arranham o inglês, a tia nem por isso. “Mas ao fim da noite já tinham encontrado forma de fazerem entender, entre sorrisos e alguma linguagem por gestos.” No dia seguinte, com o pai, o que mais as impressionou foi o dia de quase verão – a comparar com as temperaturas geladas e os dois a três metros de neve que costumavam ter naquela altura. “Foi ouro sobre azul”, como quem diz: “Quem é que não gostava de ser recebido assim?”
Uma confissão muito particular
Este ano vai também ser toda uma experiência para a israelita Hannah Ilievsky, 24 anos, uma estudante de Belas Artes que veio de Jerusalém para passar o semestre e não tem propriamente uma razão maior para ir a casa nesta altura – como é judia, não costuma celebrar o Natal. “Nós temos o Hannukah”, contrapõe, detalhando que é o nome significa festival das luzes e o habitual é acenderem-se velas para assinalar esse momento de inauguração e de recomeço. Este ano, até há uma coincidência nos tempos da festa religiosa dos judeus, já que se celebra de 22 a 30 de dezembro – mas não simboliza o suficiente para a demover de passar cá este tempo de festa. Como só vai saber quem lhe calha no Natal poucos dias antes, está a torcer pela sorte que costuma proteger os audazes – e a contar com a beleza inesperada do fator surpresa. E enquanto revela que, no seu imaginário, é tudo muito parecido ao que mostram os filmes da época, acaba a fazer uma confissão muito especial: “Sempre quis celebrar o Natal”.