“Afinal, mantemos o mesmo hardware dos homens das cavernas, mas fizemos umas quantas atualizações de software.” A última frase da palestra faz assim uma espécie de resumo do que ali se disse naquela hora, antes de se avançar para os Prémios Ciências do Desporto 2018, entregues pelo Comité Olímpico de Portugal.
Porque não só se falou das nossas habilidades inatas e das que aprendemos ao longo da vida, mas também de como os passarinhos de lembram dos três mil sítios onde deixam as sementes, dos ratinhos de laboratório que repetem movimentos atrás uns dos outros para ganhar uma gotinha de açúcar e até dos doentes de Parkinson que não conseguem mexer-se, mas podem, naquilo que seria uma reviravolta digna de filme, sentar-se no selim de uma bicicleta e pedalar como se nunca tivessem feito outra coisa – como vimos no vídeo que um colega e amigo a viver na Holanda lhe mandou, acompanhado da mensagem: “tens de ver isto!”.
Isto para dizer que o sonho pode comandar a vida, mas o cérebro é que comanda os movimentos, e a forma como o faz continua a fascinar os cientistas. Essa é uma das conclusões que se tira depois de ouvir o neurocientista que esteve no palco do Centro Cultural de Belém, esta quarta-feira, a falar-nos da importância de compreendermos os nossos movimentos. E como o desporto, ou mais precisamente o desempenho, tem muito a ver com o nosso cérebro.
Falamos de Rui Costa, esse mesmo, o neurocientista português que vive entre Lisboa e os EUA, ou melhor dizendo, entre a Fundação Champalimaud e a Universidade de Columbia e que quer saber de que forma o cérebro comanda as ações e como usar essa informação a nosso favor. Ele que, naquele mesmo palco, começou por confessar como um dia pensou que podia ter a habilidade de um atleta, mostrou em poucos minutos por que razão o Presidente do Comité Olímpico de Portugal, José Manuel Constantino, lhe chamou “o nosso Ronaldo da investigação”.
Assim, se é verdade que a nossa forma de interagir com o mundo é inata – e que tanto o corpo como o cérebro se mantêm iguais aos dos homens das cavernas – é também certo que nos superamos a cada geração. Para a ciência, então, não parece haver dúvidas: a capacidade de aprender está no nosso cérebro e o movimento é a ação mais cognitiva que fazemos.
Ou seja, não só associamos movimentos às respostas adequadas – ou esperadas – como muito do que aprendemos ao longo do tempo é baseado na ação, na experiência. “O desenvolvimento de uma habilidade no desporto é equivalente ao que um bebé faz quando aprende a segurar num lápis.”
É por isso que o tal ratinho da experiência acabou por aprender a carregar na alavanca oito vezes seguidas para receber a gotinha de açúcar. O que demonstra que à ação sucede um efeito e que é a recordação de um movimento que permite reiniciá-lo. “Falamos muito de tentativa-erro, mas é a tentativa e a seleção de algo que funciona. Quando um treinador explica como jogar, não é preciso tentar, já há uma aprendizagem anterior.”
Eis que então, por breve momentos naquela sala, fomos mesmo ao fundo do nosso cérebro, ali onde se encontram os neurónios que produzem esse famoso neurotransmissor do prazer chamado dopamina, os mesmos que morrem nos doentes de Parkinson. É quando vemos o tal vídeo do velhinho que não conseguia por uma perna à frente da outra, mas que pedalou como se não houvesse amanhã. E é então que ficamos a saber que também há libertação de dopamina quando se inicia o movimento – e que é por isso que os atletas e quem faz desporto toda a vida pode manifestar alguma irritação quando não o faz. “Porque o cérebro sente prazer nisso”.
E é aqui que se dá a tal reviravolta.
Ou seja, “as coisas que nos dão prazer usam o mesmo sistema que foi inventado para nos podermos mexer”. E isso permite-nos pensar que, se treinarmos muito, o movimento pode ficar menos dependente da dopamina. “E aí, com a idade, até podemos perder os neurónios da dopamina, mas o treino vai acabar por nos ajudar a manter o movimento.”
Isto tudo para dizer que o desporto tem muita ciência. Palavra de cientista.