Para um nativo do Sul da Europa, os mais de 30 graus que se fazem sentir à chegada a Genebra são tão familiares como exóticos. Afinal, esta cidade, situada no sopé dos Alpes e banhada pelas águas do lago com o mesmo nome, é muito mais conhecida como um destino de turismo de inverno. No entanto, essa imagem tem vindo a mudar cada vez mais, como se percebe pela distinção de melhor destino europeu para uma escapada urbana, atribuída na edição do ano passado dos prestigiados World Travel Awards, também conhecidos como os Oscars do Turismo.
Percebe-se bem porquê ao atravessar, a pé, a icónica Ponte do Monte Branco, que une as duas margens do lago, em direção ao Jardim Inglês, um pequeno parque situado bem no centro da cidade e, por isso, um dos mais concorridos neste tempo estival. Este lugar é procurado pela sua sombra e proximidade do lago, mas também por albergar uma das grandes atrações da cidade, o famoso Horloge Fleurie, um gigantesco relógio feito com milhares de flores vivas, aqui instalado na década de 1950, em homenagem à tradição relojoeira do país, e no qual se fazem hoje filas para tirar selfies junto dos enormes ponteiros.
Ambiente cosmopolita
Seguindo no sentido oposto ao da água, chega-se à Cidade Velha, como é conhecido por aqui o centro histórico de Genebra. A pitoresca Rua do Purgatório serve de porta de entrada para este pedaço citadino, que parece ter parado no tempo, tão contrastante com os prédios espelhados dos quarteirões financeiros – Genebra é um dos mais importantes centros financeiros do mundo, à frente de cidades como Tóquio, Frankfurt ou Sydney. Do Terraço Agrippa-d’Aubigné, nas traseiras da catedral de São Pedro, tem-se uma vista panorâmica de toda esta zona, ainda muito marcada pela reforma protestante do teólogo João Calvino, que aqui residiu grande parte da sua vida. Foi após se tornar oficialmente protestante, renegando a religião católica, que Genebra se proclamou uma república, em 1535, assumindo-se, desde então, como uma “cidade-refúgio”, o que é recordado na placa entalhada na Torre de Molard, uma fortaleza erguida no final do século XVI, para proteger o porto. Uma tradição continuada até aos dias de hoje, não só por ser em Genebra a sede europeia das Nações Unidas e da Cruz Vermelha Internacional mas, especialmente, por mais de 40% dos quase 200 mil habitantes da cidade serem oriundos de cerca de 180 países diferentes.
“É por isso que é conhecida como a Cidade da Paz”, diz com orgulho e num português perfeito, Adrien, um “suíço nascido e criado em Genebra”, filho de pai bósnio e de mãe brasileira. Sentado numa das muitas esplanadas da praça medieval do Bourg de Four, aconselha uma visita ao sítio arqueológico da catedral de São Pedro, onde “Os segredos da Antiga Genebra” são revelados ao visitante, contando uma história desde as primeiras tribos celtas, dos romanos que lhe seguiram, da conversão ao Catolicismo, no século IV, dos germânicos e dos francos… Isto tudo nos subterrâneos de uma catedral católica, construída entre 1160 e 1232, mas que é hoje um dos mais importantes tempos calvinistas – afinal, Genebra foi um dos mais importantes centros teológicos da chamada Reforma Protestante, surgida na Europa no século XVI, como é recordado no vizinho Parque dos Bastiões, onde o Muro da Reforma, que imortaliza os nomes dos pais deste movimento religioso, como João Calvino, Guillaume Farel, Théodore de Bèze ou John Knox.
O parque vale só por si uma visita: fica nos limites das antigas muralhas da cidade, nas traseiras da primeira universidade de Genebra, e é facilmente identificável pelas árvores gigantescas ou pelos tabuleiros de xadrez em tamanho gigante, nos quais diariamente se enfrentam diversos mestres de todas as idades.
Mergulho no lago
De regresso ao Jardim Inglês, tropeçamos em Zélia Amaro, uma portuguesa de 51 anos, natural da zona de Aveiro, que está há mais de três décadas na Suíça, onde trabalha num banco. “Têm de conhecer a cidade pela perspetiva dos locais, nesta altura do ano é junto ao lago que tudo acontece”, aconselha. Do paredão que ali tem início, ao longo da majestosa Promenade Quai Gustave Ador, tem-se também uma vista privilegiada para um dos maiores símbolos da cidade, o Jet d’Eau, uma fonte localizada bem no meio do lago, cujo jato de água se eleva a 140 metros de altura. Um pontão conduz quase até lá, a uma pequena ilhota onde se amontoam dezenas de pessoas, a levar com os refrescantes borrifos do enorme repuxo, apresentado por todos na cidade como “o maior da Europa”.
Um pouco mais à frente, fica o Parc La Grange, um enorme espaço verde, que justifica de imediato outra das alcunhas de Genebra, a de “Cidade dos Parques” – é a segunda urbe europeia com mais espaços verdes, apenas atrás de Londres, sendo que a maioria deles está situada junto ao lago. Este parque, com cerca de 12 quilómetros quadrados, contém também um monumental jardim de rosas da cidade e alberga um teatro, onde no verão há concertos ao ar livre. Andando mais um pouco, chega-se à Genève-Plage que, como o nome indica, é uma das principais praias da cidade. Trata-se de um verdadeiro oásis, mesmo no final da alameda. A apenas 10 minutos do centro, conta com diversas piscinas e acesso direto ao lago, onde é possível mergulhar, nadar, praticar diversos desportos náuticos ou, simplesmente, ficar por ali, a preguiçar ao sol, bebericando um cocktail numa das muitas esplanadas.
Seguindo o conselho de Zélia, o regresso à outra margem faz-se num mouette, os tradicionais barquinhos de madeira, a motor, que ligam os dois lados do lago. Demoram poucos minutos e são um dos meios de transporte mais usados pelos locais, proporcionando, aos visitantes, toda uma nova perspetiva da cidade e, mais além, das montanhas, algumas delas ainda cobertas de neve, apesar do calor que aqui se faz sentir – quem preferir um passeio mais longo pode optar por um dos muitos cruzeiros de um dia (ou mais) que daqui partem até ao interior do lago.
É, aliás, do outro lado que fica um dos mais bonitos e aprazíveis parques de Genebra, conhecido como a Pérola do Lago. O nome foi dado por Florence Frances May Crotty, a mulher de Hans Wilsdorf, o fundador da empresa de relógios Rolex. Inclui um jardim botânico, diversos museus, pistas para ciclistas e corredores, restaurantes e, no verão, há uma intensa programação cultural, com concertos e cinema ao ar livre, bem como espreguiçadeiras para apenas ficar por ali, à sombra destas árvores centenárias a apreciar o Monte Branco, lá ao longe. Deste lado, também se pode ir a banhos, na mais antiga estância balnear da cidade, o Bains des Pâquis. Fundados em 1872, estes banhos públicos são uma verdadeira instituição de Genebra que, no final dos anos 1980, mobilizou toda a população num protesto contra a modernização do espaço, recusada em referendo, com uma votação de 72 por cento. O espaço foi recuperado, mantendo todo o charme dos velhos tempos e, hoje, continua a ser um dos lugares mais frequentados pelos habitantes locais, em especial na época estival, quando para aqui vêm apanhar sol e mergulhar nas frias e transparentes águas do lago de Genebra. E que bem que sabe fazê-lo!