Quem é a jovem que está a dar que falar no momento, em terras de Vladimir Putin? Anna Dovgalyuk lembrou-se de dar largas à indignação por ser confrontada diariamente com atitudes masculinas, no mínimo desagradáveis, e no máximo abusivas: ocupar mais do que um lugar num transporte público, pura e simplesmente por vontade de estar com as pernas abertas, como se estivesse no sofá de casa. Sem precisar de recorrer à análise de especialistas em comunicação não verbal para interpretar o que a postura representa ou sugere, a jovem universitária e feminista convicta entendeu manifestar o seu desconforto pelo que considerou ser uma “agressão de género”, segundo noticiou o Daily Mail, e publicou um vídeo em que atirava água com lixívia a passageiros do sexo masculino em pleno metro de São Petersburgo.
O vídeo do protesto, publicado no Youtube, na passada terça-feira, 25, ultrapassou num ápice um milhão de visitas e foi apenas mais uma achega para o movimento que está a unir as mulheres russas e além fronteiras, nas redes sociais, com especial destaque para o Instagram. Iniciada há praticamente um ano, mulheres sentadas com os membros inferiores espraiados nos bancos de de sítios públicos, a campanha #womanspreading teve por meta levar o comum cidadão a questionar-se sobre esta conduta e o seu significado, a roçar o ofensivo. A jovem respondeu ao deputado Vitaly Milonov via Instagram e em tom desafiador, questionando os seus créditos para abordar tal assunto.
Radicalismos e caça às bruxas
Pode ter sido o movimento #Metoo. Pode ter sido o que está a passar-se nos Estados Unidos, em que, à vez, figuras famosas, das artes à política, começam a ser alvo do escrutínio ter de admitir ‘mea culpa’ diante das vítimas de abuso e assédio. Ou talvez não, mas uma coisa parece óbvia: o desconforto e o embaraço contagiam e Milonov, conhecido pela sua intolerância face à homossexualidade, pronunciou-se contra a jovem, argumentando que os protestos [contra a exibição de condutas de macho em espaços públicos] eram um ato de insanidade e fez questão de acrescentar que o feminismo deveria ser classificado como violação do artigo 282 do Código Penal, que é punível com cinco anos de prisão. Ou seja, atos como o de Anna deveriam ser encarados como uma manifestações de ódio, que valeram sanções a meio milhar de pessoas no ano passado, uma imensa subida face a anos anteriores.
É provável que tais atitudes extremistas comecem a escalar, já que esta não é a primeira vez que homens, sem sempre identificados, se queixam às autoridades por se sentirem ofendidos por conteúdos publicados em media sociais, segundo noticiou o The Moscow Times, em que, além do caso de Anna, a blogger Lyubov Kalugina, que foi acusada de extremismo no início do mês. Há quem lhe chame caça às bruxas do século XXI. Este fenómeno começa a ser ventilado nos meios académicos e em podcasts e a questão de fundo parece estar a vir à tona: os homens estão a contra-atacar por se sentirem realmente acossados e verdadeiramente ameaçados ou trata-se de uma profunda crise de masculinidade?
E a história (do medo das mulheres) continua…
Esta sucessão de eventos faz lembrar os tempos da banda punk Pussy Riot, formada em Moscovo, no verão de 2011, e as suas performances contestatárias, que apontavam o dedo ao sistema por promover a opressão policial e o sexismo, entre outros. Um ano mais tarde, com a reeleição de Putin, a obra ‘Putin Zassa’ (‘Putin mijou-se’) incendiou ânimos e culminou com alguns confrontos e a condenação de dois dos seus membros, Galkina e Schebleva, que se viram multadas e com uma pena de prisão para cumprir. Há quatro anos, quando o grupo voltou ao ativo com todos os seus elementos, duas das performers chegaram a tocar ao vivo com Madonna, durante uma iniciativa da Amnistia Internacional, em Brooklyn, nos Estados Unidos, tendo o seu concerto a sério naquele país no ano passado, já após a eleição de Donald Trump. Ironicamente, após desentendimentos com o grupo no ano da cadeia, o porta-voz da banda, Pyotr Verzilov, e feroz crítico de Putin, viu-se a braços com um problema de saúde grave, tendo sido hospitalizado em Moscovo, durante o mês de setembro. Coincidência ou não, o ativista russo foi transferido por uma organização não governamental para um hospital em Berlim, onde permaneceu durante 10 dias e acabou por ter alta. A razão desta transferência terá tido a ver com suspeitas de envenenamento pela secreta russa, mas apesar disso os exames toxicológicos feitos naquele hospital não confirmaram essa suspeita nem permitiram clarificar a substância alegadamente usada contra ele.