Jorge Cid reclama a redução do escalão do IVA de 23% para 6% nos serviços veterinários e na alimentação para cães e gatos. No Dia Internacional do Animal Abandonado, o bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários aponta o dedo ao Estado pela elevada carga fiscal sobre os animais de estimação, que traduz, no seu entender, a “ideia errada” de serem vistos como “bens de luxo”.
Em 2017, foram abandonados mais de 40 mil cães e gatos. É um número preocupante?
Extremamente preocupante. Em 2018 a tendência está a inverter-se, embora não tanto como seria desejável. Se a média se mantiver, com boa vontade talvez não se chegue aos 30 mil, que mesmo assim continua a ser um número altíssimo.
Que explicações encontra?
Que eu tenha conhecimento, não existe um estudo deste fenómeno sociológico, a nível nacional. Até porque as pessoas que abandonam animais não assumem o crime. Mas é possível avançar com algumas explicações. Uma é a alteração de morada para sítios mais longínquos, pessoas que mudaram de emprego e alugaram uma casa mais pequena ou passaram a viver em condomínios que põem restrições aos animais. Outra são os divórcios. E há também razões económicas, sobretudo quando os animais têm problemas de saúde. Por outro lado, as leis têm ido muito no sentido de criminalizar as pessoas, mas falta um estudo profundo para analisar as raízes do problema e encontrar soluções. Os canis estão superlotados e não existe uma estrutura de apoio aos donos que deixam de ter condições para terem animais, que desse modo escolhem a via mais fácil.
A Ordem dos Médicos Veterinários defende a alteração do escalão do IVA, dos atuais 23% para os 6%, em serviços veterinários e alimentação animal. Com que argumentos?
Esse é mais um dos fatores que contribuem para o abandono. A lei equiparou os animais a pessoas, mas a classe política tem-se esquecido do absurdo do IVA nos tratamentos veterinários. Até nas medicinas alternativas, que têm pouca ou nenhuma evidência científica, a taxa da IVA foi abolida, enquanto a medicina veterinária, que é saúde pública, continua com o IVA a 23%. Além de uma injustiça brutal, sobrecarrega as pessoas no tratamento de animais de companhia e na sua alimentação. A alimentação para cavalos, ovelhas, vacas ou suínos, por exemplo, tem o IVA a 6%, mas para cães e gatos paga-se 23%. Não há explicação para isto, a não ser a ideia antiga, completamente errada, de que ter um animal de estimação é um luxo. Há campanhas para a adoção de animais abandonados, e depois são considerados bens de luxo. A Lei obriga a que um cão seja microchipado e vacinado contra a raiva, duas medidas de sanidade que o Estado taxa a 23%. Faz o seu negócio, para ser muito concreto. E o cúmulo dos cúmulos é a obrigatoriedade de, todos os anos, se pagar uma licença às juntas de freguesia para se ter um cão.
Em 2016, o Bloco de Esquerda e o PAN levaram ao Parlamento uma proposta de redução do IVA na alimentação para cães e gatos, que foi chumbada em peso pelos restantes partidos, da Esquerda à Direita. Acredita que agora poderia ser diferente?
Acredito que sim porque, hoje, os animais dão votos. Os estudos indicam que quase 60% dos lares portugueses têm um animal de companhia. Os políticos já perceberam isso e tendem a fazer leis que possam ser do agrado dos eleitores. Por isso acho que a redução do IVA nas atividades veterinárias e na alimentação passaria, se hoje fosse a votos. Mas em política as coisas são muito diferentes se forem apresentadas por este ou aquele partido. Terão de ser os partidos da área da governação a propor uma lei para ser aprovada. Porque todas as leis que levem a diminuição de receitas são sempre difíceis de aprovar, por causa do Ministério das Finanças. Há uma certa falta de coerência, porque aprovam-se leis que equiparam os animais a pessoas e depois esquecem-se da justiça fiscal dos animais. Se os cães não estiverem vacinados e não forem bem tratados, podem tornar-se um problema de saúde pública, e o Estado devia criar condições para que as pessoas tratassem os seus animais, baixando a carga de impostos que põem em cima deles.
Qual o peso do IVA máximo no orçamento de uma família com um animal?
Há um estudo que diz que em Portugal as famílias gastam 7% do seu rendimento com os animais de companhia e a tendência é para gastarem mais, quer em tratamentos médicos, quer em alimentação. Há aqui outro dado caricato: é que, se o dono comprar um alimento próprio para animal, paga 23%, mas se optar por um bocado de arroz com carne já só paga 6%. Os animais de companhia são taxados como se fossem um artigo de luxo. É preciso que o Estado olhe para os animais como um fator de estabilidade, muitas vezes a única companhia que pessoas de certa idade têm, e não como uma fonte de receita para o Orçamento, que é o que está a acontecer.