Eduarda Abbondanza está sentada numa mesa de madeira comprida, entre papéis decorados com notas, telemóvel na mão, olhos concentrados em tomar decisões. A 50ª edição da ModaLisboa está aí e a sua fundadora e presidente já está a ver muito além do que o próximo outono/inverno. “Estamos, como sempre estivemos, virados para o futuro,” diz com determinação. “Temos uma ligação genética à cidade de Lisboa porque foi aqui que tudo começou, mas sempre trabalhámos com o país tudo,” explica sobre a edição que agora termina, cada vez mais virada para fora – para o público e para o mundo. As provas disso começam logo no Wonder Room, a pop-up store que este ano contou com marcas tão diferentes quanto os lenços inspirados pela arte da Antiflop e as parkas ecológicas da Insane in the Rain, ou na Workstation, ligação da moda à fotografia a puxar pela imaginação das duas. Já para não falar no concurso Sangue Novo, que voltou a ser um dos momentos mais entusiasmantes destes quatro dias (o vencedor, Filipe Augusto, apresentou uma coleção com referências ao Douro e à importância da ligação à terra). O futuro da moda nacional pode muito bem estar por aqui.
“Desde sempre que a nossa intenção foi transformar a indústria têxtil portuguesa na indústria de moda portuguesa,” avança Eduarda. Estratégia que passou por procuras tão simples e desafiantes quanto a introdução da palavra criador no vocabulário nacional, a ligação ao poder, local e não só, o acompanhamento dos designers e do seu potencial, a moda trabalhada enquanto negócio. É assim desde os primeiros anos no Teatro Municipal São Luiz, como lembra Filipa Faísca, que se estreou na passerelle perante um público a fervilhar de interesse e emoção. Depois de tirar o curso no IADE e participar nas Manobras de Maio (1987) “percebi que o trabalho enquanto designer ia ser complicado”, conta. “Mais do que imaginação, tínhamos de pensar onde vou fazer moda e como, saíamos da escola com a técnica, mas Lisboa não tinha o background têxtil.” Nessa altura, chegou mesmo a fazer uma parceria com uma fábrica do Barreiro, para a qual desenhou algumas peças em troca de tecidos. “Ainda hoje é difícil encontrar costureiras e chegar aos fornecedores e às fábricas. Por muita Internet que exista, é preciso criar uma relação pessoal. Não podemos funcionar apenas com números,” continua. O criador, que durante 14 anos esteve afastado do calendário de desfiles para juntar dinheiro e elevar a marca com o seu nome ao patamar que sempre quis, apresentou no último dia de ModaLisboa propostas que mostraram como o artesanal pode ser transformado em luxo, inspirado pelo bordado da Madeira e outras tradições que reinventa e adapta. É um processo feito de desafios e conquistas. “No meu atelier, tento trabalhar de forma sustentável, oferecendo salários justos, por exemplo. Quando as pessoas se queixam que as peças são demasiado caras, acho que se apaga todo um processo de esforço e dedicação que tem muitas fases. É um milagre continuar a ter um atelier no meio de Lisboa.” E acrescenta: “Um dos grandes problemas está nas quantidades, tenho pena de hoje não estar mais ligado à indústria, é uma questão importante a resolver e a ModaLisboa não pode fazer tudo.”
Numa edição em que a proporção de novos talentos e criadores confirmados está particularmente próxima, lançou-se uma iniciativa que quer pôr a moda a falar com as empresas. Promovida pela Moda Portugal, do CENIT (Centro de Inteligência Têxtil), em parceria com a ANIVEC (Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção), a Futures.ModaPortugal tem como objetivo a criação de estratégias capazes de responder aos novos modelos de negócio em moda, à evolução da tecnologia ou às novas exigências dos consumidores. O projeto será desenvolvido através de uma campanha aberta a experts e profissionais, promovendo debates, workshops e sessões de trabalho. Logo ao início da sessão, sublinhou-se uma das prioridades: o empenho do setor do vestuário em criar compromissos com os criadores portugueses.
Gonçalo Peixoto, que se estreou nesta ModaLisboa com uma coleção outono/inverno 2019 cheia de cor, volumes e texturas de encher os olhos (para além do styling irrepreensível) apercebeu-se da importância da comunicação quase ao mesmo tempo que pegou no lápis e no papel para fazer os seus primeiros desenhos. “Fazer parte da ModaLisboa é poder chegar a mais pessoas, a mais lojas e a outros países,” resume o criador que começou a estudar moda em 2012, em Guimarães, mostrou as suas peças em Londres o ano passado e acaba de lançar uma linha de óculos. Tudo antes dos 25 anos. Nos bastidores desta edição, explica como o seu objetivo é conquistar o mercado internacional, preocupando-se sempre em preservar a qualidade e a criatividade nacionais. As mesmas que Eduarda Abbondanza sempre trabalhou. “A questão está no financiamento e ao facto de termos ficado atrás nesse campo nos últimos tempos,” reforça, referindo-se ao PortugalFashion e ao facto de vários designers terem mudado de plataforma nos últimos anos. “A ModaLisboa é uma marca, nascemos na cidade, nunca nos isolámos, mas essa é também a razão pela qual estamos a ser penalizados.” Os primeiros passos estão dados, agora é ver até onde a moda consegue correr e com quem.