Telhas e azulejos partidos, lixo amontoado, tetos interiores destruídos, dossiês e cabos espalhados pelo chão, gatos e ratos em disputa territorial, vestígios de atividade suspeita: seringas e um fogão de campismo indiciam a presença de toxicodependentes. O Mosteiro de São Dinis e São Bernardo, onde está sepultado o rei D. Dinis e viveram e estudaram, ao longo de mais de 100 anos, as estudantes conhecidas como meninas de Odivelas, encontra-se “num estado totalmente degradado”, denuncia Nelson Galhofo. O líder da Juventude Popular de Odivelas, além de descrever um “cenário de destruição” com animais e objetos estranhos à mistura, desconfia que existem “pessoas sem-abrigo a viver no interior”, apesar de o espaço se encontrar fechado ao público. E reforça os lamentos com imagens reveladoras da condição de abandono em que se encontra este monumento nacional de grandes dimensões, mandado construir pelo rei D. Dinis no século XIII, há mais de 700 anos.
Captadas em fevereiro e dezembro de 2017, as fotografias de Nelson Galhofo e do seu irmão (que a VISÃO partilha na galeria destacada acima) mostram como o edifício, com mais de 300 divisões e situado no centro histórico de Odivelas em Zona Especial de Proteção, aguarda penosamente por novos inquilinos desde que, no final do ano letivo de 2014/15, o Instituto de Odivelas o abandonou para se acomodar nas instalações do Colégio Militar, por decisão do anterior Governo. “Tenho conhecimento de como é que aquilo está lá dentro. Continua tudo igual ou pior”, garante Nelson Galhofo, ao comentar as imagens do ano passado.
O estabelecimento de ensino público que ali funcionou desde o início do século XX, sob tutela militar e só para estudantes do sexo feminino (daí o epíteto “meninas de Odivelas”), em regime de internato e externato, deixou um vazio que a Câmara Municipal de Odivelas (CMO) mostrou interesse em preencher, mas o processo arrasta-se há dois anos em burocracias, envolvendo os ministérios da Defesa e das Finanças, de um lado, e a autarquia, do outro.
Gestão (ainda) do lado do Estado
Em julho de 2017, num despacho assinado pelos secretários de Estado Álvaro Novo (Tesouro) e Marcos Perestrello (Defesa Nacional) e publicado em Diário da República, o Estado determinou a “autorização de cedência de utilização” do mosteiro ao município de Odivelas, “com vista à sua requalificação e adaptação para instalação de serviços municipais e outros de utilidade pública”. Em troca, a Câmara comprometia-se a realizar um “investimento de 16 milhões de euros + IVA” em obras de recuperação e ao “pagamento de uma renda mensal de 23 mil euros”.
Sete meses depois, a autarquia recusa qualquer responsabilidade na gestão do edifício e no seu estado de conservação, alegando que o processo de cedência “não se encontra concluído”. No passado dia 8 de fevereiro, “o Executivo Municipal aprovou os termos da cedência”, mas falta o sim da Assembleia Municipal e do Tribunal de Contas, dado o investimento em causa.
“Neste momento, o edificado necessita de recuperação e manutenção, uma vez que algumas áreas do monumento se encontram com sinais de degradação”, reconhece a Câmara de Odivelas, numa resposta por escrito à VISÃO ONLINE. “É uma situação que nos preocupa e para a qual, logo que a autarquia assuma a gestão do mosteiro, torna-se urgente efetuar as necessárias obras.”
Confrontado com as denúncias, o Ministério da Defesa Nacional, a quem pertence o edifício classificado como monumento nacional desde 1910, admite que a cedência do espaço à CMO ainda não está finalizada e que, “até se proceder à entrega, a manutenção e limpeza do espaço está a cargo da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional”, organismo tutelado pelo ministério liderado por Azeredo Lopes. “Foram, entretanto, feitas algumas limpezas e entaiparam-se algumas janelas para evitar a degradação do edifício”, informa a assessoria do ministro.
A VISÃO também contactou, na sexta-feira, 23 de fevereiro, o Ministério das Finanças, responsável pela operação de cedência do mosteiro à Câmara, mas ainda não obteve resposta.
Circuito de skate em dias de sol
Se as burocracias vierem a ser ultrapassadas, o Mosteiro de Odivelas, como é talvez mais conhecido, ficará à disposição da autarquia por um período de 50 anos. No final, serão mais de 14 milhões de euros em rendas, a juntar aos €16 milhões (sem IVA) orçamentados para as obras de requalificação. Um valor que, segundo Nelson Galhofo, tem tudo para derrapar. “Dezasseis milhões não vão chegar sequer para o chão. O sr. Presidente da Câmara não tem noção do estado do mosteiro porque ele não sai do gabinete”, atira o jovem de 18 anos, indignado por não se proibir os skaters de andarem “a fazer manobras em cima dos mosaicos” do pátio exterior do mosteiro, no Largo D. Dinis. “Em dias de sol, aquilo parece um circuito de skate”, lamenta.
O presidente da autarquia, o socialista Hugo Martins, reeleito nas últimas eleições locais para um segundo mandato, não esclareceu se, no último ano e meio, havia visitado o monumento abandonado. Também preferiu não comentar a atividade lúdica dos skaters no exterior do edifício. O que a autarquia fez questão de referir é que “nunca baixou os braços na procura de uma solução que permitisse salvaguardar e valorizar este verdadeiro símbolo” de Odivelas, um “património classificado deixado devoluto e sem qualquer perspetiva de usufruto nem projeto de utilização futura” na sequência da “decisão do anterior Governo, de coligação PSD/CDS, de encerrar o Instituto de Odivelas”, à qual se opôs.
Quando receber a passagem de testemunho do atual Governo, a Câmara compromete-se a analisar as “várias propostas” em cima da mesa, como a “criação de um centro interpretativo sobre o mosteiro, a história e as raízes do concelho, a dinamização de um centro de ensino e a instalação da divisão da PSP de Odivelas, entre outros”, de forma a promover “uma relação profícua de colaboração com os agentes locais”. Hugo Martins pretende ainda consultar os munícipes sobre como ocupar um espaço que, durante muitos séculos, foi casa de freiras da ordem religiosa de Cister, algumas com direito a figurarem na História de Portugal, no papel de amantes dos nossos reis e mães de filhos deles.