Vêem-se por todo o lado. Os Bulldog Franceses, cães de pequeno porte, do tamanho aproximado de um leitão, são pacíficos, portáteis, energéticos, com o focinho achatado e orelhas de morcego, pelo curtíssimo… É aquele que aparece, agora, nos anúncios de televisão, nos cartazes e ao colo das vedetas nas revistas cor de rosa. A tal ponto que as raças de cães mais comuns nas cidades se tornaram raras, ou praticamente desapareceram. É muito difícil encontrar-se um cocker ou um caniche que não seja velho.
A moda, como todas as outras, globalizou- se. E em Hollywood, vedetas como Di Caprio, Madonna, Lady Gaga, Hugh Jackman, Carrie Fisher, Reese Witherspoon, Ashlee Simpson, Tyson Beckford ou David Beckham deixam-se fotografar ao lado do seu Bulldog francês.
Inês Sousa Real, provedora dos animais da Câmara Municipal de Lisboa, lamenta que os animais estejam sujeitos àquilo que ela chama “os nossos egoísmos estéticos”. Geralmente, ela e os responsáveis dos abrigos apercebem-se destas vagas e modas, “já no final do ciclo”: quando estes cães ficam velhos, doentes e são abandonados, sem que na realidade se tivesse estabelecido um laço de afeto entre o cão e o seu detentor. “As pessoas não têm a noção do que sofre um cão quando é abandonado. Alguns ficam com um desgosto tão grande, sentem-se tão desamparados que pura simplesmente desistem. E deixam de comer e de beber.”
Antes desta vaga do Bulldog Francês, eram os Labradores, antes disso os Pitt Bull ou os Rottweilers. “Muitos cães designados perigosos foram abandonados ou entregues aos canis porque a legislação faz agora muitos requisitos. E muitos, para não terem todas esses encargos, optam por não os ter.”
O problema é sempre o mesmo: a seguir à vaga das modas, chegam as vagas de abandono. “Eles podem ser os nossos melhores amigos, mas nós nem sempre somos os melhores amigos dos cães”, lamenta Inês.
A questão das “vagas” das raças de cães não é só uma questão de “alta imoralidade”, “já que os cães passam a ser encarados como uma tendência ou um acessório de moda”. Há um perigo real também para o próprio cão. Muitos criadores, movidos pela lógica da procura e pelo lucro, cruzam ninhadas sem ter em conta a consaguinidade. Há fortes probabilidades do cão ficar doente. Depois existe outro efeito perverso: o apuramento da raça a todo o custo. Quanto mais o Bulldog Francês tiver o focinho achatado ou o rabo encaracolado mais óbvios são os sinais de doença e de consequente sofrimento para o animal. Trata-se de uma raça braquicéfala, o que acarreta graves dificuldades respiratórias. E a cauda, extensão da coluna, enrolada pode significar uma malformação na própria coluna. Por terem um crânio anormalmente grande também ocorrem, por vezes, problemas no parto.
Inês Corte Real lembra a moda dos pastores alemães, há uns anos, que causou tais caprichos dos donos, e um apuramento tão radical, que só se vendiam cachorros com as pernas traseiras muito arqueadas, com consequências dolorosas para o animal, nomeadamente displasia na anca.
“Felizmente a moda dos animais exóticos dentro de casa parece estar a acabar. Obviamente dentro de casa não estão no seu habitat natural”, afirma.
Quando a moda termina, ou quando o cão cresce e surgem os problemas de saúde, as pessoas desenvencilham-se deles. “Já me aconteceu virem pessoas devolverem cães, até com um alto pedrigree, só porque a pelagem deles não combinava com o sofá.”
“As pessoas querem ter cães por uma questão estética, ou porque determinada vedeta tem um igual, sem se aperceberem que cada cão tem a sua personalidade , independentemente das aptidões e personalidades inerentes à raça”. À conta do apuramento das raças, “cometem-se atrocidades perfeitamente loucas, que vão contra as leis da natureza e o bem-estar animal”. Além de uma sobrepopulação descontrolada. Estes cães da moda, explica podem ser encontrados, vendidos aos desbarato, por um quinto do preço, no OLX, por exemplo, sem qualquer fiscalização. E alerta: os cães são animais geneticamente apurados. “E não podemos deixar que em nome de modas e caprichos se cometam atrocidades”. O importante é encontrar o parceiro canino ideial, independentemnete das raças. E, por vezes, conta, “as famílias chegam aos canis para adotar e, em vez, de cães de raça, saem de lá com rafeiros giríssimos.”