Atualmente, os portugueses e estrangeiros vão 270 milhões de vezes à praia em Portugal, 63 milhões das quais expostos ao risco. Mas, segundo os dados da época balnear passada (entre maio e setembro de 2015), o número de mortes por afogamento é dos mais baixos dos últimos dez anos, com seis em zonas não vigiadas e apenas uma numa praia com nadador-salvador. “Nos anos 1980 e 1990, a principal preocupação do Instituto de Socorros a Náufragos era baixar a fasquia das 50 mortes”, diz o comandante Nuno Leitão do ISN. No Brasil, por exemplo, morre-se cem vezes mais por afogamento do que em Portugal e, em Espanha, as estatísticas da mortalidade por afogamento nem são divulgadas.
O projeto Surf Salva, que já vai na terceira edição em Portugal, quer chegar aos 150 mil surfistas portugueses. “Não há nenhum que não tenha já desenvolvido um salvamento. Eles são os primeiros a chegar à praia e os últimos a ir embora, é preciso dotá-los de técnicas e perícias adequadas para salvarem pessoas”, acrescenta Nuno Leitão. Em Portugal existem 7400 nadadores-salvadores certificados, dos quais 4100 trabalham nas 1250 concessões de praia. O maior problema são os 350 quilómetros de costa não vigiados que as pessoas insistem em frequentar, assim como não respeitar as três horas de digestão após as refeições e mergulhar em zonas com obstáculos.
É engraçado que o David e mais dois irmãos tenham seguido profissões ligadas ao mar…
Fomos criados na praia de Copacabana, onde se acabava por praticar vários desportos aquáticos, pegar ondas, pescar, fazer caça submarina. Esse exercício determinou o amor pela praia e acabámos por ver muitas situações de afogamento de alguns amigos e desconhecidos. Isso impulsionou-me a fazer algo por uma água mais segura.
Teve uma infância recheada de episódios no mar…
Afoguei-me aos 7 anos no mar na praia de Copacabana. Naquela época apanhava ondas em prancha de esferovite. Era dia 1 de janeiro e com o meu primo entrámos no mar que estava muito revolto. Ele perdeu a prancha e eu fui tentar salvá-lo, veio outra onda que também levou a minha prancha e começámos os dois a afogarmo-nos. O meu pai, que estava a jogar vólei, viu e foi a correr salvar-nos. Podia ter ficado com medo, mas foi um episódio com final feliz.
Como se envolveu na missão do salvamento aquático?
Depois de me formar em Medicina entrei para o Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro e comecei a desenvolver e a publicar vários trabalhos científicos. Foram quase trinta anos a fazer carreira como especialista em afogamentos. A maioria dos protocolos mundiais relacionados com afogamento ou construi ou participei.
Há grandes diferenças entre os primeiros salvamentos no século XVIII e os dos nossos dias?
Hoje existe uma cultura de praia que só começou por volta de 1920, pelo menos no Brasil. As pessoas não ligavam muito à praia, iam mais para o interior. A partir do momento em que a praia se tornou medicinal, começaram a frequentar e de algo lúdico é agora um culto do corpo, de bronzeado, de desporto. Com a cultura da praia a crescer aumentou o número de afogamentos.
Houve uma evolução das técnicas de salvamento?
Mudou muito. Havia pouca prevenção nessa época. Hoje, o alicerce mais forte é a prevenção com nadadores-salvadores, bandeiras, avisos, vídeos, projetos nas escolas. No que diz respeito às técnicas, eram muito baseadas em barcos, agora são muito mais centradas nas pessoas e em pequenos instrumentos, como os tubos de resgate, equipamentos de flutuação profissionais e que podem ser levados muito facilmente, dando uma maior segurança à vítima e ao nadador-salvador.
Qual a posição de Portugal em relação aos afogamentos?
Portugal está num excelente patamar [sete mortes por afogamento na época balnear de 2015]. Mas fora da praia acontece em piscinas, lagos, rios, barragens. O que se tem de tentar fazer é levar este case study de sucesso, de praias bem equipadas, para o interior do país.
Portugal está bem equipado?
Tem um excelente serviço de organização para fazer o salvamento, bem estruturado.
Quais são as condições ideais para um nadador-salvador trabalhar?
O ideal é ele ter uma boa relação com a população. Se o areal estiver quase vazio basta ter um ou dois nadadores-salvadores a vigiar, se a praia estiver lotada são precisos mais olhos no terreno. Tudo é uma questão de visualização, de conseguir identificar as situações de perigo.
Que características devem ter os nadadores-salvadores?
Primeiro, não pode ser o herói. Porque herói é aquele que morre. Tem que entender quais são as suas limitações. Precisa saber nadar muito e bem, ter bom senso, ter atenção com as pessoas, ter paciência para fazer prevenção, treinar muito antes de executar a missão. É uma questão de erro e acerto. Se fizer bem a prevenção faz poucos salvamentos.
Como se faz a prevenção?
A prevenção para adultos e para crianças é muito parecida, só difere o local. Na praia, 90 por cento dos afogamentos acontecem na corrente de retorno, a zona onde as ondas rebentam menos. Na piscina há cinco medidas básicas a seguir: nunca deixar uma criança sozinha nem que seja por um segundo; ter sempre nadador-salvador por perto, pois a pessoa pode nadar bem, mas sentir-se mal; saber como agir e antes de ir salvar outra pessoa ligar para o número de emergência 112; acesso restrito com uma cerca de 1,20 metro e um portão alto com travão; atenção ao sistema de sucção e à tampa do ralo para impedir que, por exemplo, os cabelos compridos fiquem presos. No rio, quem não sabe nadar não deve entrar até à altura do umbigo e lembrar que o lodo escorrega.
Segundo o Instituto de Socorros a Náufragos português há 4100 nadadores-salvadores certificados para 1250 unidades balneares em 250 km de costa vigiada…
Há uns 15 anos achava-se que era preciso pôr mais e mais nadadores-salvadores. Isso é impossível. Num feriado no Brasil chegam a estar três milhões de pessoas em 80 km de praia. Esta relação que existe em Portugal é excelente [dois nadadores-salvadores por cada 100 metros de concessionário]. A cultura da prevenção cada vez mais forte vai proferir mais segurança.
A série de televisão Baywatch retratava bem o que se passa nas praias?
A série começou com muito realismo, com uma pessoa que trabalhou no serviço de salvamento de Los Angeles. Mas Hollywood, é Hollywood e começou a ir pelo lado menos técnico, mas foi muito positivo. E já soube que vai voltar num outro formato.