O embaixador António Tânger Corrêa admite que chega ao Parlamento Europeu pronto para “ajudar a construir uma nova Europa”. Crítico das políticas “federalistas” e “globalistas” da União Europeia, o eurodeputado do Chega deixa lamentos pela reeleição de Ursula von der Leyen para um segundo mandato à frente da Comissão Europeia, votada logo no início dos trabalhos.
Considera “antidemocrático” o “cordão sanitário” imposto à extrema-direita – onde se inclui a bancada dos Patriotas pela Europa, da qual o Chega faz parte –, adotada pelo hemiciclo, mas promete “continuar a trabalhar na Europa, como tem feito até aqui, em Portugal”, com o objetivo de “mostrar que este tipo de estratégia só prejudica” quem a impõe.
Nos próximos cinco anos, Tânger Corrêa quer construir pontes com regiões que, diz, a Europa “abandonou”, mudar a lei da imigração e ajudar a criar novas políticas nos setores da agricultura e das pescas.
A primeira sessão legislativa do novo Parlamento Europeu, realizada em Estrasburgo, ficou marcada pela eleição de Ursula von der Leyen, um resultado que o Chega e o grupo europeu que o partido integra, os Patriotas pela Europa, lamentaram. Que leitura faz deste desfecho desta primeira sessão?
Era algo que já esperávamos, mas que nos deixou desiludidos. O PPE [Partido Popular Europeu] não é, estruturalmente, um partido federalista nem globalista e acabou por apoiar uma pessoa que alinha por esses caminhos. Além dos mais, Von der Leyen tem um problema ético a correr no Luxemburgo [Von der Leyey perdeu no tribunal europeu, com sede no Luxemburgo, em caso sobre transparência nos contratos das vacinas Covid-19], e isso não deveria permitir que ela pudesse ser candidata. Temos alguma desilusão, mas, enfim, o desfecho foi o que era esperado.
Os discursos de Ursula von der Leyen continuam a apelar a que se faça um “cordão sanitário” no PE em relação à extrema-direita, o que tem vindo a impedir que membros dos Patriotas pela Europa – mas também dos Conservadores e Reformistas [ERC] e do grupo das Nações Soberanas – possam assumir presidências e vice-presidencias de comissões. O que lhe parece esta estratégia?
É uma estratégia totalmente antidemocrática. O Parlamento Europeu (PE) deve ser um espaço de liberdade, de diálogo e de negociação e, é claro, que isso “mata” qualquer dessas possibilidades. Chamar extremista a um partido como o Chega é, convenhamos, bastante “esticado”. Mas faremos o que fizemos em Portugal, continuar a trabalhar, e mostrar que esse tipo de estratégia tem apenas dois caminhos: os partidos que a utilizam começam a ser penalizados pelos eleitores; e o afastamento dos cidadãos europeus das instituições comunitárias, é um facto. Os Patriotas pela Europa são, neste momento, a terceira força política do PE, tem cerca de 18 milhões de votos de cidadãos europeus, que valem tanto como os votos dos que votaram noutros partidos. Portanto, é preciso ter noção que a democracia é para todos e não só para alguns, que a manutenção do poder não se pode sobrepor às regras democráticas.
Ficou integrado na Comissão dos Assuntos Externos [AFET] e na Subcomissão da Segurança e da Defesa [SEDE], na qual será coordenador. Era o que pretendia? E quais são as suas metas nestes grupos de trabalho?
Fiquei nas comissões que pedi, por considerar que estas comissões tratam de assuntos muitos importantes para Portugal. Essa escolha demonstra que temos uma palavra a dizer no PE. Embora tenhamos apenas dois deputados [o outro é Tiago Moreira de Sá], fomos muito bem considerados. Mas o trabalho começou agora, vai ser complexo, duro, mas cá estaremos para fazê-lo para defender os interesses que julgamos fundamentais para a construção de uma nova Europa.
Nesta primeira sessão legislativa, também Roberta Metsola foi reeleita como presidente do PE. Apesar de ser um nome indicado pelo PPE, e ao contrário do que aconteceu com Ursula von der Leyen, Metsola teve os votos dos partidos mais à direita, incluindo os dos Patriotas pela Europa. Como é que isso se explica?
As situações são diferentes, porque as pessoas são diferentes. Na última legislatura, Roberta Metsola teve aspetos positivos para o ID [grupo Identidade e Democracia, a que pertencia o Chega, mas que acabou com a criação dos Patriotas pela Europa e com o Europa das Nações Soberanas] e, portanto, consideramos que também possa ter esses aspetos positivos para os Patriotas pela Europa. O facto de ser apoiada pelo PPE não é necessariamente negativo. Vamos dar o benefício da dúvida, não havia melhores candidatos e, por isso, optámos por votar positivamente. É preciso, sobretudo, recordar que o nosso trabalho não é de oposição, mas de construção. E posso dizer que, hoje, isso teve o primeiro resultado prático, pois, na SEDE, conseguimos que os partidos do centro-direita (PPE, Patriotas, Conservadores e Reformistas [ECR] e o Europa das Nações Soberanas) votassem em conjunto duas importantes resoluções, derrotando a esquerda, e quebrando com o “cordão sanitário”. Acho que isso foi extremamente importante, resultado de uma negociação. E é assim que vamos continuar a atuar.
O grupo Patriotas pela Europa é, muitas vezes, descrito como anti-europeu, anti-democrático e pró-Putin. Como vê estas críticas?
Não é o grupo. Haverá partidos do grupo que, de facto, são mais eurocéticos, mas esse não é o caso do Chega. O Chega é um partido pró-europeu e completamente pró-Ucrânia. As acusações de pró-Putin a alguns partidos, parece-me, a mim, algo exagerada, mas temos de conviver com as diferentes sensibilidades. Uma das características dos “Patriotas” é poder haver sensibilidades diferentes em determinadas matérias, sem que isso afete as posições fundamentais do próprio grupo. E essas posições são a luta contra o totalitarismo, a luta pelos cidadãos da Europa, por uma vida melhor para os europeu e por aí fora… São pontos comuns e que estão sempre em cima da mesa. Claro que há sensibilidades diferentes, mas os eurodeputados portugueses nunca vão abdicar das suas posições.
Começou agora um mandato de cinco anos (2024-2029). Quias são os temas que coloca no topo das suas prioridades para este mandato?
Queremos, claramente, trabalhar para uma melhor colaboração da União Europeia com regiões que têm sido um bocado abandonadas, como os Balcãs ocidentais ou alguns países da Ásia… As relações têm melhorado, é certo, mas, na minha opinião, não o suficiente. E, é evidente, também queremos manter relações com os países de expressão portuguesa. Em princípio, vamos [os deputados do Chega] ficar com o grupo do Brasil. Isso será o que nos propomos fazer ao nível de política internacional, contribuindo sempre para cenários de paz e de desenvolvimento. A nível nacional, gostaríamos de ajudar a mudar a lei da imigração, ajudar a reformular a PAC [Política Agrícola Comum] de forma a ajudar os pequenos agricultores e as pequenas explorações em Portugal e também trabalhar no setor das pescas. Não faz sentido Portugal ter uma das maiores plataformas continentais e zonas exclusivas do mundo para, depois, as pescas estarem no estado em que estão, sem marinha mercante, frota de pesca, indústria conserveira… Foi tudo destruído. Toda a gente “enche a boca” com a indústria do mar, mas, depois, isso não existe em Portugal. E essa é uma situação que não se pode manter, que queremos ajudar a resolver.