Caso Galamba/Frederico Pinheiro: 10 perguntas e respostas sobre a polémica intervenção do SIS e o computador portátil com informação classificada

Lusa

Caso Galamba/Frederico Pinheiro: 10 perguntas e respostas sobre a polémica intervenção do SIS e o computador portátil com informação classificada

O caso que abalou o Ministério das Infraestruturas e agita o País desde sexta-feira, com duas versões contraditórias – a do ministro João Galamba e a do seu ex-adjunto Frederico Pinheiro, acusado pelo governante de “bárbaras agressões” à chefe de gabinete e outra adjunta e furto de um computador com informação classificada, com posterior intervenção do Serviço de Informações de Segurança (SIS) para o resgatar – levanta inúmeras questões jurídicas sobre os limites da intervenção deste órgão, o que são segredos de Estado e como devem ser guardados.

A VISÃO falou com um ex-diretor do SIS e com outro ex-alto responsável do Sistema de Informações da República Portuguesa para ajudar a compreender a esfera de competência dos serviços de informações, os contornos legais das suas intervenções e o que pode estar em causa neste caso, sobre o qual o Primeiro-Ministro e o Presidente da República ainda não se pronunciaram.

1. O que é o SIS?

O Serviço de Informações de Segurança (SIS) é um dos serviços de informações de Portugal, integrado no Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP). Segundo a lei, o SIS é o único organismo incumbido da produção de informações destinadas a garantir a segurança interna e necessárias a prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de atos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido. Previne e contraria ameaças e antecipa oportunidades. Não deve ser confundido com o SIED (Serviço de Informações Estratégicas de Defesa), que é o único organismo incumbido da produção de informações que contribuam para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança externa do Estado Português.

2. O SIS depende do Primeiro-Ministro?

Sim. O SIS tem uma direção, cargo neste momento ocupada por Adélio Neiva da Cruz, que responde perante o Secretário-Geral, um órgão do SIRP integrado na Presidência do Conselho de Ministros, dependente diretamente do Primeiro-Ministro (PM) e equiparado para todos os efeitos legais, a um secretário de Estado. Cabe ao PM “manter especialmente informado o Presidente da República acerca de assuntos do SIRP, diretamente ou através do Secretário-Geral”.

3. E tem alguma ligação ao Ministério da Justiça?

Não. Embora o Ministro das Infraestruturas tenha referido que estava articulado com o gabinete o Primeiro-Ministro e com o ministério da Justiça, este último não tem qualquer tipo de tutela sobre o SIS.

4. O Primeiro-Ministro tem de autorizar as intervenções do SIS?

Não. O SIS tem total autonomia para agir dentro das suas competências no território nacional. Não há nenhuma obrigatoriedade de pedir autorização à tutela, nomeadamente ao Primeiro-Ministro, para uma intervenção do SIS. Só se a direção tiver dúvidas numa missão é que deverá falar com a hierarquia, através do secretário-geral, que deve consultar o Conselho Superior de Informações, o órgão interministerial de consulta e coordenação em matéria de informações, presidido pelo Primeiro-Ministro. São também membros deste conselho consultivo, no âmbito das atribuições do SIS, o comandante-geral da Guarda Nacional Republicana e os diretores nacionais da PSP, Polícia Judiciária e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

5. João Galamba, na qualidade de Ministro das Infraestruturas, pode dar ordens ao SIS?

Não, o SIS não recebe ordens de ministros. Mas a verdade é que qualquer entidade pública, e até privada, pode recorrer diretamente aos serviços do SIS, reservando-se este o direito de aceitar intervir ou não, no que entender que é o âmbito das suas competências. Ou seja, cabe ao SIS avaliar previamente a legalidade e relevância dos pedidos que lhe são feitos.

6. Em que situações pode afinal o SIS atuar?

A esfera de atuação do SIS é, em Portugal, claramente limitada, fruto de um contexto histórico de uma ditadura recente, estando-lhe vedadas competências judiciais ou de polícia. Segundo a lei, “os Serviços de Informações não dispõem de competências policiais, estando os seus funcionários, civis ou militares proibidos de exercer poderes, praticar atos ou desenvolver atividades do âmbito ou competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais, sendo-lhes expressamente proibido proceder à detenção de qualquer indivíduo ou instruir processos penais”.

Havendo a prática de um crime ou um pelo menos indício forte de atividade criminal, o SIS deve pois abster-se de intervir. Nesse caso, o serviço pode agir, mas apenas em cooperação com entidades competentes, como a Polícia Judiciária.

7. O SIS teria competência para intervir numa situação como a descrita por João Galamba?

Segundo o Ministro das Infraestruturas, João Galamba, o “SIS foi chamado para defender propriedade do Estado português”, porque estava em causa “um amplo acervo de documentos classificados pelo Gabinete Nacional de Segurança” que constavam dentro do computador pessoal de Frederico Pinheiro.

Para um ex-diretor do SIS contactado pela VISÃO, “dando como boa a informação de que existem documentos classificados no computador do ex-adjunto, a intervenção era justificada, se no pedido não tivesse sido mencionado um crime de furto”.  Sublinha este dirigente que o SIS é usado nalgumas missões que não são apenas para recolha pura e dura de informações. “Lembro-me por exemplo de situações em que o SIS foi usado para pagamento de um resgate no âmbito de uma operação para libertação de um pesqueiro”, enquadra.

Já para outro ex-alto responsável dos sistemas de informação nacionais, “não há qualquer forma de tal intervenção estar enquadrada legalmente, uma vez que o pressuposto é sempre a existência de um crime de furto ou, pelo menos, um crime de abuso de confiança e a ilicitude da conduta do ex-adjunto”. Reitera que os agentes do SIS não podem praticar quaisquer atos de polícia ou de investigação criminal, sendo-lhes vedado agir perante indícios da prática de um crime, “o que era manifestamente o caso”. Estando em causa “qualquer ato de revista, busca ou apreensão o SIS não pode atuar, e mesmo o facto de ter ido ao encontro de Frederico Pinheiro e este ter entregado voluntariamente o computador não tem enquadramento legal”, explica, sublinhando: “Só por inocência ou ignorância é que foram acionados estes meios”.

8. Como é que material classificado como secreto está dentro de um computador pessoal?  

Matéria diferente, e muito relevante, é a que se relaciona com os documentos alegadamente classificados que constam dentro do computador pessoal portátil de Frederico Pinheiro. “Levantam-se várias questões essenciais aqui que têm de ser colocadas: os documentos foram classificados por quem e quando? Apenas agora, como forma de não serem apresentados à Comissão Parlamentar de Inquérito, ou já eram classificados antes disso? E estão dentro de um portátil com credenciação de segurança, ou guardados num computador que não oferece acesso seguro? Em muitos países civilizados o facilitismo nestas matérias pode fazer cair ministros...”, explica o ex-diretor do SIS ouvido pela VISÃO. Por regra, a credenciação de segurança é essencial se há documentos classificados num computador.

9. Que tipo de informação pode ser classificada como segredo de Estado?

Segundo a lei, são abrangidos pelo segredo de Estado os documentos e informações cujo conhecimento por pessoas não autorizadas possa ameaçar ou causar dano à independência nacional, à unidade e integridade do Estado e à segurança interna e externa. Em particular, podem ser submetidos ao regime de segredo de Estado documentos que respeitem a matérias relativas à preservação dos interesses fundamentais do Estado; as transmitidas, a título confidencial, por Estados estrangeiros ou organizações internacionais; as relativas à estratégia a adotar pelo país no quadro de negociações presentes ou futuras com outros Estados ou com organizações internacionais; as que visam prevenir e assegurar a operacionalidade e a segurança das Forças Armadas e das forças e serviços de segurança, bem como a identidade dos operacionais e as informações do âmbito da atividade dos órgãos e serviços que integram o Sistema de Informações da República Portuguesa. Mesmo depois de terminarem as funções, os titulares de cargos políticos e quaisquer pessoas que se encontrem no exercício de funções públicas ou que tenham acesso a matérias classificadas como segredo de Estado são obrigados a guardar sigilo.

10. Pode matéria como o plano de privatização da TAP ser considerada um segredo de Estado?

As interpretações divergem, mas ambos os especialistas ouvidos concordam que há um abuso crescente na classificação de informação. “Neste caso, não está em causa informação classificada, a Segurança do Estado é invocada frequentemente a despropósito”, sublinha um deles.

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