Como foi calculado o valor da indemnização de 500 mil euros avançado pelo Correio da Manhã? É justo? Alexandra Reis demitiu-se ou foi demitida? E a tutela não sabia de nada? As perguntas que se repetem sobre o caso da secretária de Estado do Tesouro que recebeu uma indemnização de 500 mil euros, em fevereiro, por deixar antecipadamente o cargo de administradora executiva da TAP, a dois anos do fim do mandato. Partidos, Presidente da República, ministros, todos querem justificações.
1. Alexandra Reis demitiu-se ou foi demitida?
Presidente da República e governante estão em sintonia, neste ponto, e garantem que decisão partiu da empresa. Marcelo Rebelo de Sousa até foi mais longe, em declarações proferidas no dia 25, e disse que se tratou “de uma indemnização negociada em um terço”, sugerindo que Alexandra Reis teria até direito a 1,5 milhões de compensação.
Apesar disto, a dúvida foi levantada pelo relatório de contas da TAP, onde a empresa declara que a gestora “apresentou, por carta dirigida à Sociedade no dia 4 de fevereiro de 2022, renúncia ao cargo”. Versão que mantém, num comunicado redigido nessa altura, em que é referido que a atual secretária de Estado decidiu “encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçar agora novos desafios”. No entanto, esta terça-feira à noite, em reposta ao pedido de esclarecimento da tutela, a TAP valida a informação prestada pela secretária de Estado, referindo-se ao processo negocial “por iniciativa da TAP”.
2. Como foi calculada a indemnização?
Sabe-se que a atual governante havia sido nomeada administradora executiva da TAP em junho de 2021 e que teria pela frente um mandato de quatro anos, que foi quebrado em fevereiro de 2022. Não é conhecido o acordo de rescisão entre a TAP e Alexandra Reis – o contrato tem cláusulas de confidencialidade -, mas, na mesma nota dirigida aos ministérios das Finanças e dos Transportes, a empresa esclareceu também, entretanto, que a rescisão foi feita à luz do regime de exceção ao estatuto do gestor público, que, desde julho de 2020, inclui a TAP. Trata-se de um processo de exceção que autoriza remunerações além das tabeladas na lei por razões de mercado. Sendo as regras sobre rescisões no âmbito deste regime omissas.
Ora, a lei estipula, no Código das Sociedades Comerciais (artigos 403º e 404º), que uma saída pode acontecer por destituição com justa causa ou renúncia, com ou sem acordo. Se a destituição não tiver justa causa, é necessário o pagamento de uma indemnização. “O administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito”, diz a lei.
Neste caso, sabe-se agora que, durante as negociações, Alexandra Reis, atual secretária de Estado do Tesouro, pediu inicialmente 1,4 milhões de euros de indemnização. No entanto, segundo a TAP, ” foi possível reduzir e acordar um valor global agregado ilíquido de 500.000 euros a pagar”.
3. Como pode ficar a tutela às escuras?
Se se aplicasse o referido Estatuto do Gestor Público, a cessão de funções teria de ser discutida obrigatoriamente, neste caso, pela assembleia-geral da TAP por proposta de um dos acionistas – a Direção-Geral do Tesouro do Ministério das Finanças e o Ministério das Infraestruturas.
Não se aplicando este Estatuto (como esclarece a TAP), seria expectável que ainda assim soubessem pelo acompanhamento próximo da empresa participada pelo Estado? Subsistem as dúvidas. Os atuais responsáveis por estas duas pastas (os ministros Fernando Medina e Pedro Nuno Santos; o segundo era já titular da pasta na altura da rescisão) dizem desconhecer os contornos deste caso e, em comunicado, anunciaram ter remetido à Inspeção-Geral de Finanças (IGF) e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) os esclarecimentos da TAP sobre as funções de Alexandra Reis.
4. Quem escolheu Alexandra Reis para presidir à NAV?
Quatro meses depois de ter deixado a TAP, Alexandra Reis foi escolhida pelo ministro das Finanças e pelo das Infraestruturas para presidir à NAV (Navegação Aérea de Portugal), cargo que desempenhou até se juntar ao Governo. Foi depois o mesmo ministro das Finanças que a escolheu, pouco tempo depois, para o lugar de secretária de Estado.
Artigo atualizado às 22:20 com os esclarecimentos enviados pela TAP ao Governo e divulgados em comunicado pelos ministérios de Fernando Medina e de Pedro Nuno Santos.