Miguel Alves, ex-presidente da Câmara de Caminha, atual secretário de Estado adjunto de António Costa, garantiu ter recolhido todas as “evidências” sobre a “robustez económica” do promotor que se propôs investir oito milhões de euros na construção do “Centro de Exposições Transfonteiriço” (CET). A autarquia acabaria por lhe adiantar 300 mil euros (acabou por pagar 369 mil, com IVA) de rendas de um equipamento municipal que ainda está no papel. Porém, o “portfólio” de empresas ligadas a Ricardo Moutinho mostra uma realidade diferente: como sócio-gerente ou gerente, o empresário está ligado a 20 empresas, nenhuma delas dá lucro, uma foi declarada insolvente e outra está cercada de processos de cobrança de dívidas. O Ministério Público, recorde-se, decidiu abrir um inquérito ao contrato com a autarquia de Caminha.
Em entrevista ao Jornal de Notícias/TSF, Miguel Alves referiu ter mantido com Ricardo Moutinho, administrador único da “Green Endogenous”, empresa que se propôs construir o pavilhão em Caminha, garantindo uma renda de 25 mil euros/mês durante 25 anos, reuniões, durante as quais o empresário exibiu documentos que “evidenciavam trabalhos noutros concelhos, noutras empresas” e que havia também “evidências” de trabalho realizado na Guarda e na Alfândega da Fé. Ora, como o jornal Público adiantou, na primeira cidade, o projeto foi cancelado, na segunda nem sequer chegou a começar.
Quanto à robustez financeira, as evidências encontram-se na base de dados da consultora “Dun&Bradstreet”. Ricardo Filipe Ferreira Moutinho surge associado a 20 empresas. Na “Green Endogenous”, a sociedade que celebrou o acordo com a Câmara de Caminha, criada a 14 de fevereiro de 2020, figura como administrador único. Com um capital social de 50 mil euros, as últimas contas disponíveis, relativas a 2020, desta empresa apresentam resultados negativos de 175 euros. Aliás, o relatório da “Dun&Bradstreet” informa que “não registando compras, nem vendas, nem empregados na última demonstração financeira disponível, esta empresa não apresenta indícios de atividade comercial”.
O mesmo alerta é repetido para outras sociedade participadas por Ricardo Moutinho, como a “Orago, Lda”, que apresenta um capital social de 600 mil euros e também resultados negativos. Só em 2018 é que a sociedade registou uma entrada de dinheiro: 15 mil euros numa prestação de serviços à Camara Municipal de Braga.
Em igual situação está a “Category Ignition, Lda” – “Não registando compras, nem vendas, nem empregados na última demonstração financeira disponível, esta empresa não apresenta indícios suficientes de atividade comercial”, volta a referir a consultora – cujo objeto social é a “investigação, desenvolvimento, design, produção, importação, exportação, comercialização, distribuição e manutenção de painéis laminados e derivados de madeira. Fabricação de madeira para soalhos montada em painéis e outros artigos em madeira, principalmente destinados à indústria da construção, como peças de carpintaria”. O capital social, três milhões de euros, foi realizado pela “Oxygen Capital, Lda” (dois milhões) e pela “Competência&Rigor, Unipessoal, Lda” (um milhão), esta última ligada a Nuno Ramos.
Porém a “Oxygen Capital”, uma sociedade por quotas detida em partes iguais por Ricardo Moutinho e Alexandre Pinto, ambos com 250 mil euros, foi declarada insolvente a 9 de abril deste ano, por sentença do Juízo do Comércio de Vila Nova de Gaia. Foi o sócio de Ricardo Moutinho quem requereu a insolvência da própria empresa, alegado uma dívida 709,25 euros.
Ricardo Moutinho surge ainda como gerente da “Fundão Young Fashion, Lda”, com o objeto social de “desenvolvimento, conceção, produção, fabrico e comércio de têxteis; confeção de outros artigos e acessórios de vestuário; design e conceção de artigos e acessórios de vestuário para marcas de retalho e grande distribuição; design e programação informática para marcas de retalho e grande distribuição; desenvolvimento e gestão de direitos de propriedade intelectual tais como marcas, patentes e modelos de utilidade; publicidade e marketing”. Com um capital social de 100 mil euros, esta sociedade em 70% por uma empresa polaca, a “Hashtag Studio Spólka Z Ograniczona Odpowiedzialnoscia”, 20% pertencem à “Jesper&Ricardo, Investigação e Desenvolvimento, Lda” e os restantes 10% à “PP, participações, SGPS”.
A “Jesper&Ricardo” foi criada a 7 de maio de 2018 e é detida, em partes iguais, por Ricardo Moutinho e Jesper Carvalho Andersen, um empresário dinamarquês, casado com uma jornalista portuguesa, Lúcia Carvalho, que se fixou em Portugal. A consultora “Dun&Bradstreet” alerta que a “Jesper&Ricardo” “não cumpre há mais de 24 meses a obrigação legal de prestar contas”. “Os indícios de atividade comercial não são suficientes para que seja considerada ativa”, refere ainda.
O mesmo aviso surge associado à “Moutinho&Simmons”, na qual Ricardo Moutinho surge como sócio-gerente, com uma participação de 16,6% do capital social (1,2 milhões de euros).
A única empresa com alguma saúde financeira é a “Etapas Avulso, Lda”, que se dedica à “”exploração de restaurantes, bares e cafés; comércio a retalho de todo o tipo de bebidas, alcoólicas e não alcoólicas em estabelecimentos especializados; exploração de hotéis com restaurante “. Esta sociedade é detida por Ricardo Moutinho, Jesper Carvalho Andersen e Américo Dias Pinheiro, um gestor que fez carreira em marcas de luxo, como a Louis Vuitton e que, atualmente, é o CEO da Castelbel, uma marca portuguesa de artigos de luxo de higiene pessoal. Só que está cercada de processos judiciais: 21, a maioria dos quais no Tribunal de Trabalho de Setúbal. Há ainda acções executivas (cobrança de dívidas) nos juízos de execução de Sintra, Setúbal e Porto.
Vereadora do PSD fala em “lavagem de cara”
Entretanto, o atual presidente da autarquia, Rui Lages, já adiantou ao executivo municipal que o promotor está disponível a pagar uma caução ou fazer uma hipoteca para concluir o projeto, noutro local, foi divulgado esta quarta-feira.
O autarca revelou ainda que o contrato-promessa de arrendamento aprovado em 2020 previa a construção do Centro de Exposições Transfronteiriço (CET) para a quinta do Corgo, em Vilarelho, mas o projeto foi inviabilizado pelos herdeiros dos terrenos que recorreram aos tribunais por não concordarem com o valor de venda proposto.
De acordo com aquele contrato, quando o CET estivesse construído e a Câmara outorgasse a licença de utilização, a autarquia comprometia-se a arrendar o espaço, durante 25 anos. Findo aquele prazo, o município podia exercer o poder preferência de aquisição. “Os 300 mil euros avançados ficam por conta das rendas do vigésimo quinto ano”, explicou, referindo que o promotor demonstrou interesse em prosseguir com o projeto, tendo informado o município que já procedeu à aquisição de 33 terrenos na zona empresarial de Vilar de Mouros e Argela.
Explicações que não convenceram a vereadora do PSD Liliana Silva: “Gostava que estas duas portas estivessem bem separadas, com um corredor bem largo no meio. Uma coisa é o contrato de arrendamento que foi aprovado em 2020 e, outra coisa completamente diferente é o novo PIP que deu entrada, agora, na Câmara de Caminha. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, independentemente da empresa ser a mesma. Trata-se de um contrato de arrendamento que foi feito, em que foram adiantados 300 mil euros sobre algo que não existe e, nunca existiu”, sublinhou.
Liliana Silva realçou que “existe impossibilidade de conclusão do contrato porque a Câmara tinha 150 dias para pagar os 300 mil euros a uma empresa constituída em 2020, que não deu nenhuma garantia, e o promitente senhorio tinha de fazer a escritura de compra e venda da Quinta do Corgo, no prazo máximo de 190 dias, a contar do contrato promessa de arrendamento”.
“Todos estes prazos foram ultrapassados, não foi feito nada. O contrato caducou, expirou”, reforçou. Liliana Silva disse estar disposta a discutir, em reunião camarária, “o interesse político do CET, se vale a pena pagar 25 mil euros, por mês, durante 25 anos, cerca de oito milhões de euros, para, no final do contrato, o edifício ficar para o promotor”.
Para a vereadora a explicação de Rui Lages não passou de “uma lavagem de cara de toda esta situação” criada em torno do contrato. “Um facto curioso é que depois desta polémica toda apareçam hoje garantias, nomeadamente, a prestação de uma caução ou de uma hipoteca. Pelo menos para alguma coisa serviu trazer a público esta discussão (…) A Câmara tem de analisar bem esta vontade desmedida de criar este empreendimento (…) Não sou a favor de uma criação megalómana destas quando temos uma Câmara que deve mais de 1,3 milhões de euros à empresa que recolhe o lixo, que cobra o IMI mais alto aos munícipes, que retém a taxa máxima do IRS, que paga a fornecedores a mais de 120 dias. Como é possível uma Câmara neste estado vir dizer que quer um CET. A população tem uma palavra a dizer”, referiu.