Começou com imagens chocantes: bombardeamentos, cidades destruídas, milhares de mortos e feridos, sequestros, violações, uma criança de três meses fechada numa cave… e colocando em perspetiva – “é como se Portugal inteiro estivesse a fugir”. Volodymyr Zelensky dirigiu-se à Assembleia da República denunciando uma série de violações de direitos humanos e recorrendo à história portuguesa, mais concretamente à Revolução do 25 de Abril, para lembrar aos portugueses a vida em ditadura e para pedir ajuda na reconstrução da liberdade ucraniana. “Sei que estão prestes a celebrar o aniversário da Revolução dos Cravos. Portugal sabe bem o que é a ditadura, sabe o que o nosso povo está a sentir, o que é não ter liberdade”.
Esta foi a 107.º vez que Zelensky discursou desde que as tropas russas invadiram a Ucrânia no dia 24 de fevereiro e a 25.ª num parlamento nacional. E o essencial da mensagem foi invariavelmente semelhante às anteriores: o presidente agradeceu o apoio português e pediu que o país continue a auxiliar os ucranianos, nomeadamente, através do envio de armamento, de bloqueios económicos aos russos e da “luta contra a propaganda russa”, difundindo a versão ucraniana dos acontecimentos pelos países de língua portuguesa. Aproveitou ainda a ocasião para se mostrar otimista quanto à entrada da Ucrânia na União Europeia e dizer que espera poder contar com o voto a favor de Portugal.
“Eu sei que os nossos povos se compreendem, que se conhecem muito bem”, continuou o presidente ucraniano, sugerindo que “os civilizados devem apoiar os civilizados”, num discurso que durou apenas dez minutos, embora o Parlamento nacional não tenha imposto qualquer limite de tempo. No final, Zelensky recebeu uma ovação de pé da sala, com exceção dos representantes do Governo, que, nestas situações, não se costumam manifestar.
A assistir ao discurso, com tradução em simultâneo, na sala do Senado, estiveram o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, membros do Governo, quase todos os deputados, embora nenhum do grupo parlamentar do PCP, que confirmou ontem a sua ausência, através da líder da bancada comunista, Paula Santos, depois de argumentar que esta cerimónia foi “concebida para dar palco” a “alguém que personifica um poder xenófobo e belicista”.
Nas galerias, estiveram ainda presentes outras altas patentes do Estado, como a procuradora-geral da República, a provedora de Justiça, os chefes do Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos três ramos, representantes da comunidade ucraniana e uma série de convidados especiais como o general Ramalho Eanes, o antigo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes, o autarca lisboeta, Carlos Moedas.
A fechar a sessão, o presidente da Assembleia da República, recordou que Portugal se colocou ao lado do povo ucraniano desde o primeiro momento, condenando a Rússia e recebendo milhares de refugiados ucranianos não só em nome do “bom relacionamento” entre os dois países, mas sobretudo por causa da comunidade ucraniana em Portugal “na ordem das dezenas de milhares de pessoas”. E numa alusão às palavras de Zelensky, Augusto Santos Silva apresentou a indignação portuguesa face às “atrocidades cometidas”. “Choramos os mortos, civis e militares, que têm sucumbido à barbárie e ao horror da guerra iniciada pelo regime de Putin”.